quarta-feira, 20 de julho de 2011

NA FILA DA LIBERDADE

Mário Prata

É interessante notar as diferenças em filas, de um lugar para o outro.
Em Florianópolis, por exemplo, tanto nas filas de banco como de
supermercado, as pessoas ficam conversando, com calma, esperando. Mesmo
no Rio de Janeiro, enfrenta-se uma fila com mais humor.

Em São Paulo, a fila é uma tortura. A fila é triste e interminável.
Parece que, se fosse possível, a gente mataria aqueles quatro ou cinco
que estão na nossa frente. E, se alguém conversa com alguém, o
assunto é a própria fila. Uns chegam a dizer palavras chulas. Xingam,
como se a culpa fosse da pobre mocinha que está do outro lado da fila,
muito mais aflita que os filenses.

Pois foi numa dessas filas que o fato se deu.

Era uma bela fila, de umas dez pessoas. E em supermercado, com aqueles
carrinhos lotados, a gente ali olhando a mocinha tirar latinha por
latinha, rolo por rolo de papel higiênico, aquela coisa que não tem
fim mesmo. E naquela fila tinha um garotinho de uns dez anos, que existe
apenas uma palavra para definir a figurinha: um pentelho. Como muito bem
define o Houaiss: "pessoa que exaspera com sua presença, que
importuna, que não dá paz aos outros".

Pois ali estava o pentelhinho no auge de sua pentelhação. Quanto mais
demorava, mais ele se aprimorava. E a mãe, ao lado, impassível. Chegou
uma hora que o garoto começou a mexer nas compras dos outros. Tirar
leite condensado de um carrinho e colocar no outro. Gritava, ria, dava
piruetas. Era o reizinho da fila. E a mãe, não era com ela.

Na fila ao lado (aquela de velhos, deficientes e grávidas), tinha um
casal de velhinhos. Mas velhinhos mesmo, de mãos dadas. Ali, pelo
oitenta anos. A velhinha, não aguentando mais a situação, resolveu
tomar as dores de todos e foi falar com a mãe. Que ela desse um jeito
no garoto, que ela tomasse uma providência. No que a mãe, de alto e
bom tom:

- Educo meu filho assim, minha senhora. Com liberdade, sem repressão.
Meu filho é livre e feliz. É assim que se deve educar as crianças
hoje em dia.

A velhinha ainda ameaçou dizer alguma coisa, mas se sentiu antiga,
ultrapassada. Voltou para a sua fila. Só que não encontrou o seu
marido, que havia sumido.

Não demorou muito e voltou o marido com um galão de água de cinco
litros e, calmamente se aproximou da mãe do pentelho, abriu e entornou
tudo na cabeça da mulher.

- O que é isso, meu senhor?

O velhinho colocou o vasilhame (que palavra antiga) no seu carrinho e
enquanto a mulher esbravejava e o pentelho morria de rir, disse bem
alto:

- Também fui educado com liberdade!!!

Foi ovacionado.

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