quinta-feira, 22 de janeiro de 2015


   É POSSÍVEL CONSTRUIR UMA ESCOLA SEM EXCLUSÕES?

Miguel López MELERO

O objetivo deste artigo é esclarecer a confusão, que as diferentes
interpretações sobre integração educativa e escola inclusiva originam.

Esta confusão gera uma serie de barreiras com relação à presença,
aprendizagem e participação das pessoas e culturas diferentes na sala de
aula.

Somente serão analisadas as barreiras didáticas e se proporá como trabalhar
nelas como forma de salvação para construir uma escola sem exclusões.



PALAVRAS CHAVES:

Educação especial; integração; inclusão; cultura da diversidade; pessoas
diferentes; barreiras didáticas.



INTRODUÇÃO



Minha primeira resposta a esta questão, é que não só é possível, mas
necessário, e como é necessário temos que realizá-lo. Para isto temos de
procurar, e saber encontrar, quais são as barreiras que impedem à presença,
o aprendizado, a participação das pessoas e culturas diferentes na escola
pública.

Hoje em dia, a escola pública, tem esse desafio como questão fundamental.



Com humildade tentarei descrever meu ponto de vista a respeito. Para isto,
vou partir do seguinte princípio da Conferência de Salamanca:

O princípio que rege deste ‘Marco de Ação’ é que as escolas devem acolher
todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais,
emocionais, lingüísticas ou outras […]  As escolas têm que achar a forma de
educar com sucesso, todas as crianças, incluindo aqueles com incapacidades
graves […]. (UNESCO, 1994, p. 59-60).



As iniciativas internacionais das Nações Unidas e da UNESCO estão apostando,
decididamente,  à necessidade de que todos os meninos e todas as meninas têm
o direito de serem educados todos juntos independentemente da etnia,
gênero,   handicap, religião ou procedência. Trata-se não só de oferecer o
direito à educação a todos os meninos ou meninas, como também oferecer
educação de qualidade e esta só se consegue quando todas as meninas e
meninos se educam juntos.  E é justamente sobre isto que trata a educação
inclusiva.




Às vezes não temos claro sobre o que estamos falando, quando falamos da
educação inclusiva. Falar de educação inclusiva não é falar de integração. A
educação inclusiva é um processo para aprender a viver com as diferenças das
pessoas.



É um processo de humanização e, portanto, pressupõe respeito, participação e
convivência, no entanto, a integração faz alusão que as pessoas diferentes e
as minorias têm de se adaptar a uma cultura hegemônica.



Por tanto falar de educação inclusiva, desde a escola, requer estar disposto
a mudar nossas praticas pedagógicas para que cada vez estas práticas sejam
menos discriminatórias e mais humanas. Trocar práticas pedagógicas significa
que a mentalidade dos professores tem de mudar a respeito das capacidades
cognitivas e culturais das diferentes pessoas.



Que terão que ser mudados os sistemas de ensino e aprendizagem, o currículo
escolar, a organização escolar e os sistemas de avaliação. Isto é assim, é
se não é, terá de ser. Em caso de não estar de acordo com este princípio não
vale a pena continuar escrevendo (ou lendo este artigo), porque tudo o que
se encontra aqui esta relacionado com esta visão da escola pública sendo o
lugar aonde meninas e meninos aprendem a ser pessoas democráticas, livres,
cultas e respeitosas com a diversidade.



Com base nesta preocupação escrevo este ensaio que dou o título:



É possível construir uma escola sem exclusões?

Para isto vou expor quais as barreiras que são obstáculos à presença,
aprendizado, participação das pessoas diferentes e das culturas das minorias
na escola pública que impedem a construção de uma escola para todas e para
todos (UNESCO, 1990). Assinalarei somente as barreiras didáticas, mas não
podemos esquecer que também tem as barreiras culturais e políticas que
condicionam as barreiras didáticas, mas não são motivo deste artigo.



No final ressalto qual é o meu compromisso como intelectual comprometido e
como pessoa entusiasta que pretende, embora simbolicamente, a construção de
uma sociedade sem exclusões. Assim dizendo, torço por uma sociedade mais
culta, mais livre, mais solidária mais justa, mais democrática... Mais
humana, que nos ajude a projetar um mundo melhor. Quem não deseja um mundo
melhor?



Estamos submergidos num mundo de uma ostentação sem precedentes, difícil de
imaginar quando eu era criança, há cinquenta anos. Aonde somente aparecem
mudanças notórias no campo econômico, não no social e no político.



Na época clássica o centro do mundo era o homem, na Idade média era Deus, na
atualidade a economia. De tal forma que na segunda metade do século XX
consolidou-se, o amparo de econômico, um sistema de ‘governo democrático’
falando formalmente, como modelo de organização política, que fez esquecer,
exatamente, os valores da própria democracia, tais como liberdade e
igualdade.



Sabemos que a liberdade surge da tolerância e o respeito, e a igualdade da
solidariedade e a generosidade, e das duas, a convivência democrática e o
progresso humano.



Tudo isso faz que na atualidade, os conceitos dos Direitos Humanos e da
liberdade política formem parte, da retórica que impera numa sociedade que,
curiosamente, não acreditam neles.



Justamente os Direitos Humanos configuram a raiz daqueles valores.



Da liberdade nascem os direitos civis e políticos e da igualdade, os
direitos econômicos, sociais e culturais. Todos os seres humanos pertencem à
mesma espécie e tem a mesma origem. Nascem iguais em dignidade direitos e
todos formam parte da humanidade. Todos os indivíduos e grupos têm o direito
a ser diferentes, se considerarem e ser considerados como tais.



No entanto, a variedade de formas de vida e o direito à diferença não podem
em caso algum servir de escusa para os preconceitos raciais e não podem
legitimar nenhuma prática discriminatória (UNESCO, 1981, p. 2).



Vivemos, em média, muito mais e melhor que antigamente, devido aos avanços
médicos e as melhores condições de vida.



E verdade que hoje em dia, graças às novas tecnologias, temos mais laços do
que nunca com todas as partes do mundo, não só na parte comercial e das
comunicações, como também nas ideias e ideais interativos. E, no entanto,
também vivemos num mundo de notáveis privações, misérias e opressão.

Temos muitos problemas antigos sem resolver, e entre eles se destacam a
persistência da pobreza e muitas necessidades básicas insatisfeitas, o
problema da fome no mundo, da violação de liberdade política, assim como
liberdades básicas. Assim como falta geral de atenção aos interesses comuns
e a participação limitada da mulher, preconceito com as minorias e pessoas
diferentes, ameaças ao meio ambiente e a manutenção de nossa vida economia e
social.



Muitas destas privações se vêm, de uma ou outra maneira, tanto nos países
ricos como nos pobres, mas obviamente mais nos mais pobres. O que quero
dizer com estas palavras, é que sinto que o mundo está doente, mas não é uma
doença qualquer a que sofremos, estamos aniquilando o mundo, tanto no
ecológico como nas relações humanas.



A doença do mundo é uma ausência quase total do mais belo e genuíno nos
seres humanos: ‘o amor’. O que eu entendo por amor não tem nada a ver com
esse conceito poético, religioso ou filosófico com o qual às vezes se
mistura; minha concepção do amor está relacionada simplesmente com o
respeito às pessoas legitimamente em suas diferenças, independentemente de
handicap, gênero, etnia, religião ou procedência, etc.

Somente no reconhecimento das pessoas como pessoa, sem nenhum tipo de
agregado, está o sentido do humano. Precisamente por isso o sentido do
humano se constrói baseado no significado que damos à diferença, se
considerada como valor ou como defeito e taxação social. Se a diferença a
considerarmos como uma taxação, estaremos no discurso da integração, se a
considerarmos como valor estará no discurso da educação inclusiva.



Não é somente acolher o outro, se não, valorizá-lo também.



Este reconhecimento da normalidade das variedades é o que configura a
dignidade humana. A diferença é normal. Compreender isto já é um valor. E
isto é o natural. O antinatural é o contrário: a homogeneização. Sob este
ponto de vista me pergunto. É possível construir uma escola sem exclusões? E
minha opinião é que a escola pública neste momento precisa um novo projeto
educativo que faça virar realidade à inclusão nas suas aulas.



Um modelo novo construído na base de compreensão de que todas as pessoas que
frequentam a escola são competentes para aprender. Aceitar este preceito é
começar a construir um novo discurso educativo.  Considerar a diferença do
ser humano como um valor y não como um defeito, fará renascer uma nova
cultura escolar. E como consequência se respeitando as particularidades de
cada menina e de cada menino se evitarão as desigualdades.



Durante muito tempo se pensou que a educação inclusiva era “integrar”
meninos com algum tipo de incapacidade na escola, mas sem que isso
implicasse em modificações na mesma, é o que é pior ainda, sem que mudasse o
pensamento do professor ou sua prática educativa. Do meu ponto de vista a
educação inclusiva é a luta contra a segregação, porque o que está em jogo
não é que as pessoas diferentes aprendam mais ou menos estando com o resto
dos meninos na aula, senão que a escola pública tem que oferecer outro
modelo educativo aonde todos juntos aprendam a conviver.



Este desafio não é só dos professores, embora, seja a pedra fundamental,
senão de toda a comunidade escolar. Quando falo de comunidade não só incluo
às famílias e o entorno social perto das mesmas, senão também à
universidade. E o faço porque é absolutamente necessário que os professores
universitários também tomem consciência de que nas aulas universitárias é
aonde se deve iniciar esta mudança de mentalidade com os estudantes que
desejam ser docentes. E na universidade aonde devem adquirir conhecimento,
informação e as atitudes sobre o que carrega e significa educação inclusiva.
A pergunta é que sublinhe a isto que venho afirmando é se nossa pratica
educativa contribui ou não a construir uma escola sem exclusões.



Neste sentido me arrisco a falar que só conseguiremos essa escola sem
exclusões se somos capazes de derrubar as barreiras que impedem a presença,
aprendizado e participação das pessoas e coletivos diferentes nas nossas
escolas.



Do meu ponto de vista as barreiras são as seguintes:



Culturais (conceituais e de atitudes), políticas (normativas contraditórias)
e Didáticas (ensino-aprendizado). Pelas condições deste artigo só vou me
dedicar a expor as barreiras didáticas (processos de ensino-aprendizado)
embora fosse interessante aprofundar nas restantes barreiras.



BARREIRAS DIDÁTICAS (ENSINO-APRENDIZADO)

Podem ser muitas as barreiras didáticas que impeçam a construção de uma
escola aonde ninguém se sinta excluído. Eu vou ressaltar aquelas que para
mim são as mais relevantes e assim sendo indicarei alguns mecanismos para ir
superando-as.



Primeira:

A atitude permanente de classificar e estabelecer normas discriminatórias.

(Etiquetar os alunos)

A primeira barreira que impede a presença, aprendizado e a participação dos
alunos nas aulas é de cultura geral, na comunidade educativa, acham que tem
dois tipos de alunos, os ‘comuns’ e os ‘especiais’.

Isto se baseia na crença de que os alunos são ’normais’ e ‘incapacitados’ e,
logicamente, se acredita que os últimos precisam técnicas diferentes de
ensino. Como consequência da dicotomia, nos meninos comuns e especiais, se
emprega muito tempo e esforço procurando um diagnóstico classificatório para
determinar quem é ‘normal’ e quem é ‘especial’, apesar de que pesquisas
internacionais indiquem que esses diagnósticos e classificações se fazem de
maneira pouco confiável. Temos que quebrar a cultura da desconfiança nas
competências cognitivas e culturais das diferentes pessoas e viver a cultura
da confiança. Esta é a cultura que inunda o Projeto Roma (LÓPEZ MELERO,
2003).

Neste sentido os conceitos de inteligência e diagnostico exerceram um papel
de discriminação e segregação. Ultimamente também temos ‘adaptações
curriculares’. Por isso para derrubar esta barreira temos de deixar claro o
que entendemos por inteligência e o que entendemos por diagnostico. Melhor
ainda, a questão que quero propor é se é correto propor esta questão: Que é
a inteligência?

Tradicionalmente se tem feito e respondido, que cada ser humano vem ao
mundo, predeterminado biologicamente (sem dotes, dotado, superdotado).



“O Projeto Roma», como projeto de pesquisa pretende trazer ideais e
reflexões sobre a construção de uma nova teoria da inteligência, através do
desenvolvimento de processos cognitivos, afetivos, linguísticos e de
autonomia nas pessoas com síndrome de Down”.



Como projeto de educação, seu objetivo básico e fundamental se centraliza em
melhorar os contextos familiares, escolares e sociais; desde a convivência
democrática, do respeito mútuo e autonomia pessoal, social e moral.



Neste sentido se considera a inteligência como um atributo de esta ou aquela
pessoa, como propriedade individual independente dentro do contexto aonde
cada um nasce e vive.



Defronte com esta atitude determinista, não há possibilidade de educação
alguma. No entanto, a pergunta Que é a inteligência?  Está mal formulada, o
que realmente temos que nos perguntar é Como se produz o comportamento
inteligente nas pessoas? Neste caso a inteligência já não é considerada como
um atributo e sim como algo que se adquire se desenvolve, e se constrói
graças à educação e a cultura, sempre e quando os contextos ofereçam
oportunidades para isto. O importante é saber que a inteligência não vem
determinada geneticamente, mas que os seres humanos nos fazemos
inteligentes. Chegamos ao mundo como seres inacabados e nos completamos
graças à cultura e educação.



A inteligência como a deficiência se constrói. Do que falamos, quando
falamos de inteligência? Da inteligência cognitiva? Da inteligência
linguística? Da inteligência afetiva? Da inteligência motriz?...Como
descreve Gardner (1995) muito bem na sua teoria das inteligências múltiplas,
assumindo uma perspectiva ampla e pragmática da inteligência, além da medida
de CI mediante testes psicrométricos.



Este autor entende que a inteligência não é uma só, nem monolítica. Por isto
define sete inteligências ou áreas de talento, linguístico, logico
matemático, artístico, corporal-sinestésico, musical, social (Inter e
intrapessoal).



Mais tarde, em 1998, acrescenta o oitavo talento, que denomina de
científico.

Os alunos se perguntam o que acontece então com a genética nas diferentes
pessoas? Com a genética não acontece nada, ela é somente uma possibilidade,
não um epitáfio.



O que constitui o ser humano como tal é a dimensão social. O genético não
determina o humano, fundamenta ou possibilita a humanização. O dote genético
limita cursos potenciais de ações possíveis que, de acordo com os
itinerários pessoais, vão se modificar em função da educação. Por isto não
me parece determinante a condição genética, embora não devemos esquecê-la,
nem esquecer as particularidades que surjam da mesma.



No entanto, me parece relevante sublinhar as competências cognitivas e
culturais das pessoas diferentes para quebrar com o determinismo biológico.
Para isto, temos que despertar, em primeiro lugar, a confiança nas mães e
pais que costumam ser informados pelos especialistas (às vezes da medicina e
da psicologia) dos poucos talentos de seus filhos. Despertar também a
confiança dos professores, para que se esmerem em buscar outros modelos
educativos que propiciem a mudança, e acima de tudo colocar muito esforço em
saber como vivem estas pessoas com os ditos talentos e como se desenvolvem
ao longo do seu próprio processo de aprendizado quando se educa sem
esperança na transformação.

Digo então, que as diferentes pessoas são muito mais que sua carga genética,
é basicamente um organismo que funciona como um todo e a genética é somente
uma possibilidade.



Todo nosso ser funciona como um todo. Quando se consideram as diferentes
pessoas como um todo, os processos lógicos do pensamento compensam e
equilibram suas particularidades (VYGOTSKY, 1978).



Em consequência as investigações relacionadas com as diferentes pessoas
mudam e se focalizam em outros tipos de estudos.



Que estudos?

Aqueles que nos permitem reconstruir uma nova visão das possibilidades e
talentos das diferentes pessoas. Aqueles que quebrem as velhas ideias
criadas de que a desigualdade entre as pessoas é algo natural e inevitável,
e que devido ás pessoas serem cognitivamente diferentes e serem programadas
geneticamente, não vale a pena gastar meios e recursos, porque nada vai
mudar.



Esta ideia fatalista do fundamentalismo genético (determinismo biológico e
sócio biológico), não resiste à menor analise critica precisamente porque as
desigualdades não estão nos genes, e sim no contexto social (LEWONTIN,
1990).

Esta mudança de ponto de vista é acompanhada com um modo diferente na
definição da incapacidade em si mesma, deixando para trás a influência
médica e psicológica que foca o handicap sobre as pessoas, colocando ênfase
na análise em determinadas ‘incapacidades’ que dependem em grande parte da
natureza das situações que os indivíduos se defrontam na vida? Razões pelas
quais as meninas e meninos podem experimentar dificuldades na escola são
complexas e provavelmente não são inerentes a eles, tais como: currículo,
métodos de ensino e aprendizado, organização escolar e sistemas de avaliação
inflexíveis. Em suma, pedagogia incorreta. Neste sentido afirmamos que o
número de meninas e meninos com ‘dificuldades’ para aprender está
relacionado com a qualidade educativa que a escola oferece. Relacionado
também com o conceito de inteligência e de diagnóstico. Tradicionalmente se
considera diagnóstico como ‘medida’ etiquetando diferentes pessoas como
doentes – atrasados- abaixo do normal-deficientes, configurando uma
subcategoria humana, a menos valia (paradigma deficitário). Este conceito de
diagnóstico não oferece nenhuma possibilidade de mudança nas pessoas, é um
diagnóstico, fragmentado, estático, determinista, classificador.



Eu diria que não é um diagnóstico, é um castigo:

“Assim você é, e deves resignar-te, porque assim continuarás sendo o resto
de teus dias”.



No entanto, eu penso que o diagnóstico não é algo perverso. Ao contrário, o
diagnóstico é como um portal do conhecimento, aberto a pesquisa e
descobrimento: à procura. O diagnóstico nos diz como se encontra esta ou
aquela pessoa neste momento, mas que de modo algum saberemos como estará
amanhã e menos se seu desenvolvimento depende da educação. O desenvolvimento
não consiste somente em apontar o que a pessoa é agora, mas também o que
pode vir a ser com a ajuda educativa dos demais e com a cultura. O
desenvolvimento depende do que vai vir. E algo que está por ser feito.



Quero dizer que o desenvolvimento depende da oferta educativa, e se esta é
de qualidade, o desenvolvimento será de qualidade. Daí o caráter educativo e
ético do diagnóstico. O diagnóstico tem sua ética (descrição do fenômeno) e
sua moral (prescrever como sair desta situação). Se conseguirmos superar os
conceitos clássicos começará o processo de quebra do paradigma deficitário a
favor do paradigma das competências.



Isto não é um passo banal e ingênuo, mas muito significativo, porque faz a
passagem do modelo compensatório para o educativo.

Por isto, do ponto de vista pedagógico, não podemos considerar somente uma
mudança estrutural, mas também uma mudança de paradigmas, no sentido usado
por Kuhn (1977). Já que é necessário mudar o Paradigma Deficitário, da
influência medica e psicológica que considera as pessoas diferentes como
doentes- atrasados- subnormais-deficientes, configurando tudo isto numa
categoria humana menos valorizada (menos valia), aonde os únicos culpados
são as pessoas com handicap por suas dificuldades para aprender, pelo
Paradigma das Capacidades Educativas que reconhece as mesmas como
capacitadas para aprender.

Quando isto se entende se compreende, e se pratica, a vida na sala de aula
se torna bem mais fácil. Assim, quando as meninas e meninos entendem que
todos seus colegas podem aprender e que uns aprendem de uma forma e outros
de outra, mas todos, ajudando-se, vão conseguir e quando a aula se
transforma numa comunidade de convivência e aprendizagem. Então o resto da
cultura escolar se transforma num caminho fácil para a convivência
democrática.



E por isto que as aulas se transformam em comunidades de convivência e
aprendizado.





Se formos capazes de superar esta barreira as restantes serão mais fáceis,
mas se não conseguirmos, em tudo o que fizermos, prevalecerá o conceito e a
consideração que pessoas diferentes são ’deficientes’ e basearemos nossos
relacionamentos neste conceito.



Lamentavelmente esta atitude ‘imprime caráter’.



Segunda:



A competição nas aulas diante ao trabalho cooperativo e solidário.

Quando a aula não é considerada como uma comunidade de convivência e de
aprendizado.



De acordo com o anterior, podemos afirmar que as pessoas diferentes não
necessitam uma educação reparadora em nada, porque não é um ser não perfeito
por natureza, mas que precisam de uma educação de qualidade. E esta educação
de qualidade deve ser levada junto com as demais crianças, porque o que está
em jogo não é a aprendizagem das pessoas diferentes, mas algo muito mais
importante: o próprio aprendizado como fenômeno biológico e social, e este
sabemos que é uma atividade compartilhada com outros, o aprendizado
compartilhado produz uma inteligência compartilhada. O ensino que eu
considero como uma atividade solidária que ‘faz outros aprenderem, e nós
aprendemos junto também ’ e este é o compromisso da escola pública: o
aprender uns com os outros a construir modelos de convivência e aprendizado.
Se não abrirmos este espaço de convivência dificilmente aparecerá o
aprendizado e a participação.



Entendo a aula como uma comunidade de convivência e aprendizado quando se
produz o intercâmbio de significados e comportamento, de lembranças e
experiências, de sentimentos e emoções, configurando-se num espaço cultural
e sendo também uma organização com objetivos comuns com o desejo de se
entender e se respeitar. E isto só é possível se meninos e meninas têm a
oportunidade de trocar suas experiências (dialogo) pessoais, de trocar
pontos de vista diferentes, realizando atividades solidárias em cooperação
mutua.



Estabelecendo-se assim normas de convivência democrática entre todos
(buscando o entendimento) e aonde, previamente, tem que ter se produzido uma
situação de interesse e significado para fazer aquilo que desejam fazer
(motivação intrínseca). Quando os professores tomam consciência da
importância das interações e conseguem que esta consciência seja de acesso a
outros como ajuda para conseguir conhecimento e estratégias para resolver
situações problemáticas da vida cotidiana, podemos dizer com certeza que
nesta classe está se desenvolvendo muito mais uma convivência democrática,
do que simplesmente cultura especifica. Assim a educação das crianças está
acontecendo pela cultura dos professores e de seus próprios colegas. Somente
nas escolas democráticas se frisa em construir comunidades de convivência e
aprendizado, onde a cooperação é muito mais que mera colaboração.

Terceira:

Do currículo baseado nas matérias e livros ao currículo baseado nas
situações problemáticas. Quebra das adaptações curriculares.



O objetivo do currículo escolar tem que ser desenvolvido a partir das
diferenças dos alunos e seus relacionamentos. Devemos nos esforçar par
quebrar com a cultura hegemônica da escola tradicional que desenvolve um
currículo igual para todos.

O currículo é, e deve ser uma ferramenta para inclusão.



Não deve transformar-se num instrumento de exclusão, fornecendo para alguns,
cultura e para outros sub cultura.  Porque se a cultura produz
desenvolvimento, a subcultura produz subdesenvolvimento. As adaptações
curriculares, na sua maioria são sub cultura, portanto produzem
subdesenvolvimento. Um currículo inclusivo deve ser diversificado e
transformador, construído com base nas relações sociais e atitudes.



No ‘Projeto Roma’ falamos de projetos de pesquisa quando se trata de
currículo. Aonde partimos de situações e problemáticas e não de matérias e
livros. As crianças aprendem mecanismos para descobrir cultura através de
questionamentos e cooperação. A ideia do projeto não é a tradicional, aonde
se aprendem assuntos sequenciais, e se esperam objetivos ordenados. O que
pretendemos com os projetos de pesquisa é conseguir um método que favoreça o
aprendizado autônomo, tomando decisões e desenvolvendo estratégias para
aprender (meta cognição). Estas são: planejamento de problemas ou situações,
problemas e explicação dos mesmos, discussão e debate, procura de informação
fora da aula, trabalho cooperativo e solidário nos grupos heterogêneos,
elaboração de mapas conceituais, construção de esquemas mentais, etc. Aonde
o erro é importante como meio de aprendizado.



Os projetos são para aprender a aprender em conjunto e cooperação. Ensinar a
pensar e fazer. O debate e o diálogo que acompanha o processo incita os
professores e alunos a ter um consenso antes de tomar qualquer decisão
(HABERMAS, 1999).



Para nós o Projeto Roma, é uma atitude de pesquisa e investigação permanente
na sala de aula. A aula não pode ser unicamente um lugar para adquirir
conhecimento, mas, aprender a descobri-los de maneira compartilhada, e no
compartilhar é que se adquirem valores.



Atualmente, a escola tem um desafio, socializar seus alunos apesar dos
valores sociais perversos como individualismo, falta de solidariedade,
consumismo, competitividade e narcisismo da sociedade neoliberal que nos
encontramos. A solução para contrabalançar estes valores está em vivenciar
democracia, respeito, solidariedade, convivência, ética, justiça, dignidade
e amor na sala de aula.

Os valores são ensinados ou vividos?



A resposta é que os valores não se ensinam, eles têm de ser vividos para se
obter o valor moral dos mesmos.



A escola sem exclusões, não só tem a ver com didática, nem inovações
educativas, mas com o mundo dos valores, portanto são necessários a
convivência e aprender a conviver. O saber conviver não se aprende com
objetivos e normas, conviver se aprende convivendo. Assim sendo deixa de ser
um objetivo para transformar-se num princípio, que contém o reconhecimento
da legitimidade do outro como verdadeiro outro dentro da convivência.





Quarta:

Da organização espaço temporal clássica a uma organização de acordo à
atividade a realizar. Uma nova organização para uma nova escola.



O trabalho em projetos de pesquisa requer transformação nos grupos, tempo e
espaço na sala de aula. A nova estrutura de organização na sala de aula será
determinada pelo ensino interativo e o trabalho dos grupos heterogêneos de
forma cooperativa. Ajuda mutua é o principal foco. Mesmo que os alunos não
ofereçam dificuldades (se é que isto existe), o professor será o principal
apoio na sala de aula. Para alcançar este objetivo, o Projeto Roma,
transforma o contexto da aula numa situação de simulação do cérebro “o
contexto é o cérebro” (LURIA, 1974), estabelecendo quatro regiões que
identificam quatro áreas de desenvolvimento humano.



Estas regiões são:



Região de Pensar (para desenvolvimento dos processos cognitivos e meta
cognitivos)

Região de Comunicação (linguagem e sistemas de comunicação)

Região do Amor (afetividade e valores)

Região do Movimento (autonomia física, pessoal, social e moral).

(LÓPEZ MELERO, 2004).



Com este procedimento de trabalho desejamos que as crianças tomem
consciência de seu próprio processo de pensar, através da reflexão e
autocorreção. Adquirindo assim o processo lógico do pensamento. Também
queremos que construam critérios e pontos de vista pessoais para modificar
seus pensamentos e ações, fortalecendo suas capacidades para obter juízo
correto, bons relacionamentos e respeito mútuo. Numa comunidade de pesquisa
e aprendizado desse tipo, o processo de pensar e os que participam dele se
transformam e crescem, não somente na parte cognitiva e cultural, mas a
parte afetiva e comportamental. A construção destes ambientes escolares
permitirá introduzir temas como pluralismo, liberdade, justiça, respeito
mútuo, tolerância, solidariedade, democracia, etc. Aprender cooperando
possibilita o diálogo para uma cidadania mais solidária e democrática.



Quinta:

A re-profissionalização dos professores para a compreensão das diferenças.
Do professor técnico racional ao professor de pesquisa.



É necessário um novo profissional para que tenha sentido o modo de ver a
cultura das diferenças. Aonde o professor deixa de ser um Professional
aplicador de técnicas e procedimentos (racional e técnico), para ser um
investigador intelectual comprometido (pesquisador). Que saiba abrir espaços
para que a aula se transforme num lugar de aprendizado compartilhado e
autônomo, desenvolvendo sua autonomia e liberdade como docente comprometido
com as mudanças e transformação social, deixando de ser instrumento do
sistema.



Tudo isto exige profissionais capacitados, que saibam usar os conhecimentos
e processos com atitude para conseguir intervenção autônoma e eficiente na
sala de aula, assim como compartilhar com os colegas a reflexão de sua
experiência prática.



A dialética ação-reflexão condiciona o pensamento e a ação, de uma forma que
se iluminam, valoram, e se enriquecem mutuamente.

Deste modo, o desenvolvimento Professional pode estimular o professor a se
conhecer e se valorizar adquirindo mais segurança na sua prática através da
própria reflexão.



Nem ação excessiva e mecanizada, nem a mais formosa teoria de
conscientização levam à verdadeira ação transformadora e consciente
(práxis).

Como nos lembra Freire (1990, p. 211) «A consciência, não se transforma
através de cursos e discursos, sermões eloquentes, mas pela ação dos seres
humanos sobre o mundo [...] Pressupõe junção entre teoria e prática na quais
ambas se constroem num movimento permanente da prática à teoria e desta a
uma nova prática».



Sexta:

A escola pública e o aprender participando entre famílias e professores. Das
escolas antidemocráticas às democráticas



A educação de valores, necessária na escola pública, para formar cidadania
responsável, não é somente trabalho do professor, deve ser compartilhado com
as famílias e demais agentes educativos.



Somente conseguiremos quebrar o modelo educacional antidemocrata vivendo a
democracia na escola.



Os dois valores que definem uma situação democrática são liberdade que gera
a virtude da tolerância e respeito, e a igualdade que produz a solidariedade
e generosidade entre todos.



Falar de convivência democrática na sala de aula é falar de conviver
democraticamente desde a participação e o respeito nos diferentes papéis que
desempenham as famílias, professores e alunos.



Quando falo de escola pública como uma escola sem exclusões, não falo de
educar ‘para’ a democracia, nem ‘para’ a liberdade nem ‘para’ a justiça, mas
de educar ‘na’ democracia, ‘na’ liberdade e ‘na’ justiça. Não são objetivos
a serem alcançados, mas princípios de ação. Tentar que durante o processo as
crianças atuem como pessoas livres e responsáveis, educando democracia,
justiça e liberdade.

Um dos objetivos da escola pública terá de ser formar cidadania para que as
crianças aprendam a participar na vida pública da sociedade da qual fazem
parte.

A democracia somente se dá na diversificação, e precisa de atitudes e
comportamentos democráticos. Requer que se respeitem as diferenças, sem
marcar as desigualdades.



Se os valores igualdade e respeito não são entendidos, aparece a tirania da
igualdade, que nada mais é do que um tratamento idêntico a cada pessoa sem
contemplar suas particularidades qualitativas.



Por isto se faz necessária uma legislação contra a discriminação.



Embora tenhamos uma legislação sobre “a cultura da integração”, esta não tem
sido interpretada corretamente o simplesmente não se cumpre.



A cultura das diferenças é a cultura da ética. A ética surge quando estou
preocupado com as consequências do que faço em relação aos outros, e a moral
é cumprir com as normas.



Mas nem sempre as normas são humanamente corretas, por isso a desobediência,
em alguns casos, é um ato de responsabilidade. Porque temos que aprender a
dizer NÃO antes de cometer uma imoralidade.



A educação para a convivência democrática e participativa nos abre o caminho
da esperança para a construção de um projeto de sociedade e humanização
nova. Aonde o pluralismo, cooperação, tolerância e liberdade, serão os
valores que definem as relações entre famílias e professores, professores e
alunos e professores e comunidades educativas aonde o reconhecimento das
diferenças humanas está garantido como elemento de valor e não como lacre
social.



Expostas minhas considerações sobre as barreiras didáticas que impedem a
construção de uma escola para todos, ainda assim, como salvar aquelas
barreiras, volto a questionar: É possível construir uma escola sem
exclusões? Minha resposta é um sim sonoro, mas somente conseguiremos se
respeitarmos as crianças e suas diferenças como direito humano e como
valores.



As crianças que frequentam a escola não são meninas e meninos imperfeitos,
somente são crianças. Não são imaturos e incompletos, porque não falta nada
do corriqueiro de ser menina ou menino; são simplesmente crianças. Nisto de
ser criança, se pode ser negro, pobre, esloveno ou colombiano, ter síndrome
de Down, ter uma doença contagiosa, ser paralítico cerebral ou ser
simplesmente menina ou menino, e nada disto configura um defeito nem um
lacre social, mas um valor.

A natureza é variada, e não tem coisa mais genuína no ser humano que a
variedade. A qualidade mais humana da natureza é a diversidade. Da mesma
forma que não existem duas papoulas iguais não existem duas pessoas iguais.
Não existiria história da humanidade se não existissem meninas e meninos,
nem se não existissem as diferenças.



A história da Diversidade é a história das crianças.



Não pretendo modificar o ser humano, mas que se produza uma transformação
cultural. E esta transformação somente é possível através da educação e
cultura.

Pessoalmente penso que hoje em dia mais do que nunca temos de ter convicção
de que a educação é a única energia possível para tirar o mundo da doença em
que vivemos. Somente assim poderemos “construir o sonho” de uma sociedade
mais justa, democrática, tolerante e respeitosa.



Concluindo, para poder construir essa escola sem exclusão são necessárias
culturas inclusivas, políticas inclusivas e práticas pedagógicas inclusivas.

Com as práticas pedagógicas simples, não se pode obter uma escola sem
exclusões, precisamos pedagogia complexa aonde as pessoas e culturas
diferentes possam “aprender a aprender”.



Nós, com o Projeto Roma, estamos fazendo, através do que chamamos projetos
de pesquisa, que são uma forma de aprender com cooperação na sala de aula.
(LÓPEZ MELERO, 2004).



Também, existem outras práticas pedagógicas excelentes tais como: O Programa
de desenvolvimento Escolar do professor James Comer da Universidade de Yale
(COMER, 1998), ou o programa das Escolas Aceleradas, que surgiram nos EUA,
em 1986, pelo professor Henry Levin da Universidade de Stanford (1994).



Não podemos esquecer o conjunto de projetos nomeados Educação para Todos,
lançado pelo professor Robert Slavin e colaboradores (1996, 2001), do Centro
de investigação para a educação do aluno em risco na Universidade Johns
Hopkins de EUA, e os trabalhos da Stainback e Stainback (2001).

Todos estes são exemplos de que a escola sem exclusão é possível, e tão
somente uma questão deter atitude para iniciar os processos de mudança e
transformação. Existem exemplos, agora temos de estar dispostos a pôr em
pratica.

Por tudo isto e sendo atrevido vou sugerir no final algumas ideias a partir
da consideração da cultura das diferenças como alternativa e revolução
cultural para o século XXI.



FINALMENTE MEU COMPROMISSO PERSSOAL E PROFESSIONAL



Estas palavras podem nos levar a pensar que a utopia existe.



Efetivamente a utopia existe e para mim é uma democracia sem fronteiras. Sou
utópico porque a educação é utópica, e a utopia, a considero como um desejo
por um mundo melhor.



É nesse sentido que quero ser utópico.



Será possível uma educação de valores separada da utopia?

Educação, ética e política são os três vértices da figura da sociedade
democrática participativa, que é necessário construir na perspectiva de um
novo humanismo aonde os valores fundamentais sejam a liberdade e a
igualdade.



A utopia não pode morrer. Se fosse assim teríamos que admitir como Roa
Bastos (1996, p.37) “que se a utopia morre a raça humana está condenada para
sempre”.

O conceito de utopia vai junto da idéia da construção de um mundo melhor, de
uma sociedade melhor e das mudanças e transformações necessárias para
conseguir o objetivo. Sempre expressa um ideal de transformação para algo
nove e melhor. Se os mananciais utópicos se secam, a vida dos seres humanos
se transforma num deserto aonde somente floresceria o conformismo, apatia,
trivialidade e oportunismo: a desumanização humana.



Atualmente, mais do que nunca, temos de lembrar as palavras de Oscar Wilde
(2004, p.5) “O mapa que não contenha o país da utopia não merece uma
olhada”.

Esta visão do conceito de utopia unida a termos de respeito, justiça e
dignidade humana, quebra com o conceito pejorativo da utopia como algo
irrealizável, e se acrescenta no viver e conviver humano, como algo que “não
é, mas poderia ser”, é o pragmático do utópico, diz Eisler (1994).



Assim é como o poeta torna visível, com seu olhar poético, o que ficou
oculto pela história, já que revela aspectos e dimensões do humano. Que
tendo sido fundamentos do viver humano, ficaram sumidos ou escondidos atrás
de outros na transformação cultural da humanidade, mas não desapareceram e
com suas emoções e sentimentos nos fazem sentir qual é o mundo que queremos
viver.

Além disso, nos devolve a ilusão e a responsabilidade de eleger o mundo no
qual queremos viver, um mundo de respeito, cooperação, justiça, tolerância,
conforme a emoção fundamental do amor.



No entanto, a globalização econômica está unida à ciência-ficção ao mostrar
um mundo de alienação cultural, abusos, hierarquias, agressão, discriminação
e obediência.



Atravessamos um mau momento na sociedade atual com um único pensamento à
globalização, conceitos polissêmicos e complexos que referenciam a maneira
diferente de entender e desenvolver as relações sociais, econômicas,
políticas e culturais.



Mas também estamos vivendo na injustiça mais globalizada como aponta José
Saramago (2002), aonde há competição, individualismo, intolerância,
injustiça, etc.

Os contra valores imperam e caem como uma lajota na cabeça daqueles que
lutam contra a injustiça globalizada.



Como diz Henry Giroux (2001, p. 129): “a utopia dos projetos democráticos em
desenvolvimento mora tanto em criticar a ordem existente das coisas como em
utilizar o âmbito cultural e educativo para intervir de maneira direta no
mundo e lutar pelas mudanças da atual configuração do poder da sociedade”.



Este modelo educativo novo transformaria o cidadão numa pessoa crítica da
resistência (SARAMAGO, 2002). Essa ideia gira em torno da ideia central de
achar que somos capazes de gerar novas questões canalizando a energia
necessária para dispor de uma nova visão moral. E que esta visão se
contraponha às instituições e forças que estão agindo em nossas vidas e
sociedade na qual vivemos como num verdadeiro inferno.



Somos livres se temos as ideias claras para gerar uma opção. Eu formulei uma
opção política educativa. Opção política e educativa é assumir uma postura
defronte à realidade social, é não ser indiferente defronte à justiça
atropelada; é não permanecer indiferente ante a liberdade e direitos humanos
violados, é lutar contra a injustiça da classe trabalhadora, ou o trabalho
escravo, é denunciar permanentemente a falta de respeito com a mulher,
intolerância política, religiosa, étnica ou da não capacidade.



Enfim, tomar partido pela justiça, liberdade, democracia, ética e o bem
estar comum é opção política e é fazer política. Opção política e educativa
é lutar pela cultura das diferenças de fronte à cultura da não capacidade e
esta é minha ideologia e minha vida, como um sistema de crenças e valores
que traçam o caminho para a ação.



Finalmente, a cultura da diversidade é meu compromisso ideológico e
educativo. Meu compromisso político e educativo nasce justamente desta
aspiração e deste desejo de colaboração na construção de um novo modelo
educativo que quebre com o princípio neoliberal por excelência do ‘Homo
Sapiens’ e nos transporte ao ‘Homo Amans’, como verdadeiro objetivo de uma
escola democrática que se compromete defender os direitos humanos e a
legitimidade de cada um na sua diferença. E como Gandhi advertiu, é mentira
pretender ser não violento e permanecer passivo defronte às injustiças
sociais.



A responsabilidade política e educativa não reside em afirmar que “eu já
cumpro meus deveres”, mas em fazer que os cumpram os que não o fazem. Nesta
luta do ethos democrático devemos permanecer ou talvez tenhamos que dar um
passo a mais, como nos lembra Touraine (1997, p.7): “Já não queremos uma
democracia de participação; não podemos nos contentar com uma democracia de
deliberação; necessitamos uma democracia de deliberação”.



Que é o mesmo que dizer lembrando-se do Freire (1990), que é necessária uma
educação como prática da liberdade.



Além do valor simbólico da denúncia e repulsa a escola separatista e
homogeneizadora que se possa encontrar neste escrito, anuncio meu
compromisso Professional e pessoal na construção de uma escola sem exclusões
unida pelos valores humanos de cooperação e solidariedade que breque o
desenvolvimento feroz do individualismo e a competição que se gera na escola
neoliberal.

Talvez o verdadeiro descobrimento no ser humano não consista em procurar
novas paisagens, mas em possuir novos olhos (PROUST, 1997).

Isto é o que tenho feito durante toda minha vida, olhar de outra maneira às
pessoas consideradas socialmente como “deficientes” e conviver com as
culturas minoritárias.



De que maneira?



De aquela que me fez crescer como pessoa.



Quero terminar este texto lembrando umas palavras de Eduardo Galeano, que
contava que estava com um amigo, Fernando Birri, uma pessoa encantadora,
cineasta, latino americano, desses que Paulo Freire gostaria, ou seja,
loucamente são e sadiamente louco, que está mais louco que são, mas... Bom,
ninguém é perfeito.



Dizia que estavam juntos Eduardo e Fernando com alguns estudantes em
Cartagena das Índias, em Colômbia, quando um deles perguntou ao Fernando
para que serve a utopia. Birri respondeu: “para que serve a utopia? É uma
pergunta que eu mesmo me faço todo dia, me pergunto para que serve a utopia.
Porque a utopia está no horizonte e então se eu ando dez passos a utopia se
afasta dez passos também, e se eu ando vinte a utopia anda vinte; mesmo que
eu caminhe muito, nunca vou alcançá-la. Então Para que serve a utopia? Para
isto, para caminhar”.



Assim, queridos colegas e amigos, não deixemos de caminhar.



REFERÊNCIAS

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Recebido em 10/09/2007

Aprovado em 29/10/2007





Publicado em espanhol na Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, Jan.-Abr. 2008, v.14,
n.1, p.3-20



Traduzido por Veronica Marta Mato Amorim

E POSSÍVEL CONSTRUIR UMA ESCOLA SEM EXCLUSÕES?
Miguel López MELERO
O objetivo deste artigo é esclarecer a confusão, que as diferentes interpretações sobre integração educativa e escola inclusiva originam.
Esta confusão gera uma serie de barreiras com relação à presença, aprendizagem e participação das pessoas e culturas diferentes na sala de aula. 
Somente serão analisadas as barreiras didáticas e se proporá como trabalhar nelas como forma de salvação para construir uma escola sem exclusões.

PALAVRAS CHAVES:
Educação especial; integração; inclusão; cultura da diversidade; pessoas diferentes; barreiras didáticas.

INTRODUÇÃO

Minha primeira resposta a esta questão, é que não só é possível, mas necessário, e como é necessário temos que realizá-lo. Para isto temos de procurar, e saber encontrar, quais são as barreiras que impedem à presença, o aprendizado, a participação das pessoas e culturas diferentes na escola pública.
Hoje em dia, a escola pública, tem esse desafio como questão fundamental.

Com humildade tentarei descrever meu ponto de vista a respeito. Para isto, vou partir do seguinte princípio da Conferência de Salamanca:
O princípio que rege deste ‘Marco de Ação’ é que as escolas devem acolher todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, emocionais, lingüísticas ou outras […]  As escolas têm que achar a forma de educar com sucesso, todas as crianças, incluindo aqueles com incapacidades graves […]. (UNESCO, 1994, p. 59-60).

As iniciativas internacionais das Nações Unidas e da UNESCO estão apostando, decididamente,  à necessidade de que todos os meninos e todas as meninas têm o direito de serem educados todos juntos independentemente da etnia,   gênero,   handicap, religião ou procedência. Trata-se não só de oferecer o direito à educação a todos os meninos ou meninas, como também oferecer educação de qualidade e esta só se consegue quando todas as meninas e meninos se educam juntos.  E é justamente sobre isto que trata a educação inclusiva. 
                                                                                       
Às vezes não temos claro sobre o que estamos falando, quando falamos da educação inclusiva. Falar de educação inclusiva não é falar de integração. A educação inclusiva é um processo para aprender a viver com as diferenças das pessoas.

É um processo de humanização e, portanto, pressupõe respeito, participação e convivência, no entanto, a integração faz alusão que as pessoas diferentes e as minorias têm de se adaptar a uma cultura hegemônica.

Por tanto falar de educação inclusiva, desde a escola, requer estar disposto a mudar nossas praticas pedagógicas para que cada vez estas práticas sejam menos discriminatórias e mais humanas. Trocar práticas pedagógicas significa que a mentalidade dos professores tem de mudar a respeito das capacidades cognitivas e culturais das diferentes pessoas.

Que terão que ser mudados os sistemas de ensino e aprendizagem, o currículo escolar, a organização escolar e os sistemas de avaliação. Isto é assim, é se não é, terá de ser. Em caso de não estar de acordo com este princípio não vale a pena continuar escrevendo (ou lendo este artigo), porque tudo o que se encontra aqui esta relacionado com esta visão da escola pública sendo o lugar aonde meninas e meninos aprendem a ser pessoas democráticas, livres, cultas e respeitosas com a diversidade.

Com base nesta preocupação escrevo este ensaio que dou o título:

É possível construir uma escola sem exclusões?
Para isto vou expor quais as barreiras que são obstáculos à presença, aprendizado, participação das pessoas diferentes e das culturas das minorias na escola pública que impedem a construção de uma escola para todas e para todos (UNESCO, 1990). Assinalarei somente as barreiras didáticas, mas não podemos esquecer que também tem as barreiras culturais e políticas que condicionam as barreiras didáticas, mas não são motivo deste artigo.

No final ressalto qual é o meu compromisso como intelectual comprometido e como pessoa entusiasta que pretende, embora simbolicamente, a construção de uma sociedade sem exclusões. Assim dizendo, torço por uma sociedade mais culta, mais livre, mais solidária mais justa, mais democrática... Mais humana, que nos ajude a projetar um mundo melhor. Quem não deseja um mundo melhor?
                
Estamos submergidos num mundo de uma ostentação sem precedentes, difícil de imaginar quando eu era criança, há cinquenta anos. Aonde somente aparecem mudanças notórias no campo econômico, não no social e no político.
                
Na época clássica o centro do mundo era o homem, na Idade média era Deus, na atualidade a economia. De tal forma que na segunda metade do século XX consolidou-se, o amparo de econômico, um sistema de ‘governo democrático’ falando formalmente, como modelo de organização política, que fez esquecer, exatamente, os valores da própria democracia, tais como liberdade e igualdade.
                 
Sabemos que a liberdade surge da tolerância e o respeito, e a igualdade da solidariedade e a generosidade, e das duas, a convivência democrática e o progresso humano.

Tudo isso faz que na atualidade, os conceitos dos Direitos Humanos e da liberdade política formem parte, da retórica que impera numa sociedade que, curiosamente, não acreditam neles.

Justamente os Direitos Humanos configuram a raiz daqueles valores.

Da liberdade nascem os direitos civis e políticos e da igualdade, os direitos econômicos, sociais e culturais. Todos os seres humanos pertencem à mesma espécie e tem a mesma origem. Nascem iguais em dignidade direitos e todos formam parte da humanidade. Todos os indivíduos e grupos têm o direito a ser diferentes, se considerarem e ser considerados como tais.

No entanto, a variedade de formas de vida e o direito à diferença não podem em caso algum servir de escusa para os preconceitos raciais e não podem legitimar nenhuma prática discriminatória (UNESCO, 1981, p. 2).

Vivemos, em média, muito mais e melhor que antigamente, devido aos avanços médicos e as melhores condições de vida.

E verdade que hoje em dia, graças às novas tecnologias, temos mais laços do que nunca com todas as partes do mundo, não só na parte comercial e das comunicações, como também nas ideias e ideais interativos. E, no entanto, também vivemos num mundo de notáveis privações, misérias e opressão.
Temos muitos problemas antigos sem resolver, e entre eles se destacam a persistência da pobreza e muitas necessidades básicas insatisfeitas, o problema da fome no mundo, da violação de liberdade política, assim como liberdades básicas. Assim como falta geral de atenção aos interesses comuns e a participação limitada da mulher, preconceito com as minorias e pessoas diferentes, ameaças ao meio ambiente e a manutenção de nossa vida economia e social.

Muitas destas privações se vêm, de uma ou outra maneira, tanto nos países ricos como nos pobres, mas obviamente mais nos mais pobres. O que quero dizer com estas palavras, é que sinto que o mundo está doente, mas não é uma doença qualquer a que sofremos, estamos aniquilando o mundo, tanto no ecológico como nas relações humanas.

A doença do mundo é uma ausência quase total do mais belo e genuíno nos seres humanos: ‘o amor’. O que eu entendo por amor não tem nada a ver com esse conceito poético, religioso ou filosófico com o qual às vezes se mistura; minha concepção do amor está relacionada simplesmente com o respeito às pessoas legitimamente em suas diferenças, independentemente de handicap, gênero, etnia, religião ou procedência, etc.
Somente no reconhecimento das pessoas como pessoa, sem nenhum tipo de agregado, está o sentido do humano. Precisamente por isso o sentido do humano se constrói baseado no significado que damos à diferença, se considerada como valor ou como defeito e taxação social. Se a diferença a considerarmos como uma taxação, estaremos no discurso da integração, se a considerarmos como valor estará no discurso da educação inclusiva.

Não é somente acolher o outro, se não, valorizá-lo também.

Este reconhecimento da normalidade das variedades é o que configura a dignidade humana. A diferença é normal. Compreender isto já é um valor. E isto é o natural. O antinatural é o contrário: a homogeneização. Sob este ponto de vista me pergunto. É possível construir uma escola sem exclusões? E minha opinião é que a escola pública neste momento precisa um novo projeto educativo que faça virar realidade à inclusão nas suas aulas.

Um modelo novo construído na base de compreensão de que todas as pessoas que frequentam a escola são competentes para aprender. Aceitar este preceito é começar a construir um novo discurso educativo.  Considerar a diferença do ser humano como um valor y não como um defeito, fará renascer uma nova cultura escolar. E como consequência se respeitando as particularidades de cada menina e de cada menino se evitarão as desigualdades.

Durante muito tempo se pensou que a educação inclusiva era “integrar” meninos com algum tipo de incapacidade na escola, mas sem que isso implicasse em modificações na mesma, é o que é pior ainda, sem que mudasse o pensamento do professor ou sua prática educativa. Do meu ponto de vista a educação inclusiva é a luta contra a segregação, porque o que está em jogo não é que as pessoas diferentes aprendam mais ou menos estando com o resto dos meninos na aula, senão que a escola pública tem que oferecer outro modelo educativo aonde todos juntos aprendam a conviver.

Este desafio não é só dos professores, embora, seja a pedra fundamental, senão de toda a comunidade escolar. Quando falo de comunidade não só incluo às famílias e o entorno social perto das mesmas, senão também à universidade. E o faço porque é absolutamente necessário que os professores universitários também tomem consciência de que nas aulas universitárias é aonde se deve iniciar esta mudança de mentalidade com os estudantes que desejam ser docentes. E na universidade aonde devem adquirir conhecimento, informação e as atitudes sobre o que carrega e significa educação inclusiva. A pergunta é que sublinhe a isto que venho afirmando é se nossa pratica educativa contribui ou não a construir uma escola sem exclusões.

Neste sentido me arrisco a falar que só conseguiremos essa escola sem exclusões se somos capazes de derrubar as barreiras que impedem a presença, aprendizado e participação das pessoas e coletivos diferentes nas nossas escolas.

Do meu ponto de vista as barreiras são as seguintes:

Culturais (conceituais e de atitudes), políticas (normativas contraditórias) e Didáticas (ensino-aprendizado). Pelas condições deste artigo só vou me dedicar a expor as barreiras didáticas (processos de ensino-aprendizado) embora fosse interessante aprofundar nas restantes barreiras.

BARREIRAS DIDÁTICAS (ENSINO-APRENDIZADO)
Podem ser muitas as barreiras didáticas que impeçam a construção de uma escola aonde ninguém se sinta excluído. Eu vou ressaltar aquelas que para mim são as mais relevantes e assim sendo indicarei alguns mecanismos para ir superando-as.

Primeira:
A atitude permanente de classificar e estabelecer normas discriminatórias.
(Etiquetar os alunos)
A primeira barreira que impede a presença, aprendizado e a participação dos alunos nas aulas é de cultura geral, na comunidade educativa, acham que tem dois tipos de alunos, os ‘comuns’ e os ‘especiais’.
Isto se baseia na crença de que os alunos são ’normais’ e ‘incapacitados’ e, logicamente, se acredita que os últimos precisam técnicas diferentes de ensino. Como consequência da dicotomia, nos meninos comuns e especiais, se emprega muito tempo e esforço procurando um diagnóstico classificatório para determinar quem é ‘normal’ e quem é ‘especial’, apesar de que pesquisas internacionais indiquem que esses diagnósticos e classificações se fazem de maneira pouco confiável. Temos que quebrar a cultura da desconfiança nas competências cognitivas e culturais das diferentes pessoas e viver a cultura da confiança. Esta é a cultura que inunda o Projeto Roma (LÓPEZ MELERO, 2003).
Neste sentido os conceitos de inteligência e diagnostico exerceram um papel de discriminação e segregação. Ultimamente também temos ‘adaptações curriculares’. Por isso para derrubar esta barreira temos de deixar claro o que entendemos por inteligência e o que entendemos por diagnostico. Melhor ainda, a questão que quero propor é se é correto propor esta questão: Que é a inteligência?
Tradicionalmente se tem feito e respondido, que cada ser humano vem ao mundo, predeterminado biologicamente (sem dotes, dotado, superdotado).

“O Projeto Roma», como projeto de pesquisa pretende trazer ideais e reflexões sobre a construção de uma nova teoria da inteligência, através do desenvolvimento de processos cognitivos, afetivos, linguísticos e de autonomia nas pessoas com síndrome de Down”.

Como projeto de educação, seu objetivo básico e fundamental se centraliza em melhorar os contextos familiares, escolares e sociais; desde a convivência democrática, do respeito mútuo e autonomia pessoal, social e moral.

Neste sentido se considera a inteligência como um atributo de esta ou aquela pessoa, como propriedade individual independente dentro do contexto aonde cada um nasce e vive.

Defronte com esta atitude determinista, não há possibilidade de educação alguma. No entanto, a pergunta Que é a inteligência?  Está mal formulada, o que realmente temos que nos perguntar é Como se produz o comportamento inteligente nas pessoas? Neste caso a inteligência já não é considerada como um atributo e sim como algo que se adquire se desenvolve, e se constrói graças à educação e a cultura, sempre e quando os contextos ofereçam oportunidades para isto. O importante é saber que a inteligência não vem determinada geneticamente, mas que os seres humanos nos fazemos inteligentes. Chegamos ao mundo como seres inacabados e nos completamos graças à cultura e educação.

A inteligência como a deficiência se constrói. Do que falamos, quando falamos de inteligência? Da inteligência cognitiva? Da inteligência linguística? Da inteligência afetiva? Da inteligência motriz?...Como descreve Gardner (1995) muito bem na sua teoria das inteligências múltiplas, assumindo uma perspectiva ampla e pragmática da inteligência, além da medida de CI mediante testes psicrométricos.

Este autor entende que a inteligência não é uma só, nem monolítica. Por isto define sete inteligências ou áreas de talento, linguístico, logico matemático, artístico, corporal-sinestésico, musical, social (Inter e intrapessoal).

Mais tarde, em 1998, acrescenta o oitavo talento, que denomina de científico.
Os alunos se perguntam o que acontece então com a genética nas diferentes pessoas? Com a genética não acontece nada, ela é somente uma possibilidade, não um epitáfio.

O que constitui o ser humano como tal é a dimensão social. O genético não determina o humano, fundamenta ou possibilita a humanização. O dote genético limita cursos potenciais de ações possíveis que, de acordo com os itinerários pessoais, vão se modificar em função da educação. Por isto não me parece determinante a condição genética, embora não devemos esquecê-la, nem esquecer as particularidades que surjam da mesma.

No entanto, me parece relevante sublinhar as competências cognitivas e culturais das pessoas diferentes para quebrar com o determinismo biológico. Para isto, temos que despertar, em primeiro lugar, a confiança nas mães e pais que costumam ser informados pelos especialistas (às vezes da medicina e da psicologia) dos poucos talentos de seus filhos. Despertar também a confiança dos professores, para que se esmerem em buscar outros modelos educativos que propiciem a mudança, e acima de tudo colocar muito esforço em saber como vivem estas pessoas com os ditos talentos e como se desenvolvem ao longo do seu próprio processo de aprendizado quando se educa sem esperança na transformação.
Digo então, que as diferentes pessoas são muito mais que sua carga genética, é basicamente um organismo que funciona como um todo e a genética é somente uma possibilidade.

Todo nosso ser funciona como um todo. Quando se consideram as diferentes pessoas como um todo, os processos lógicos do pensamento compensam e equilibram suas particularidades (VYGOTSKY, 1978).

Em consequência as investigações relacionadas com as diferentes pessoas mudam e se focalizam em outros tipos de estudos.

Que estudos?       
Aqueles que nos permitem reconstruir uma nova visão das possibilidades e talentos das diferentes pessoas. Aqueles que quebrem as velhas ideias criadas de que a desigualdade entre as pessoas é algo natural e inevitável, e que devido ás pessoas serem cognitivamente diferentes e serem programadas geneticamente, não vale a pena gastar meios e recursos, porque nada vai mudar.

Esta ideia fatalista do fundamentalismo genético (determinismo biológico e sócio biológico), não resiste à menor analise critica precisamente porque as desigualdades não estão nos genes, e sim no contexto social (LEWONTIN, 1990).
Esta mudança de ponto de vista é acompanhada com um modo diferente na definição da incapacidade em si mesma, deixando para trás a influência médica e psicológica que foca o handicap sobre as pessoas, colocando ênfase na análise em determinadas ‘incapacidades’ que dependem em grande parte da natureza das situações que os indivíduos se defrontam na vida? Razões pelas quais as meninas e meninos podem experimentar dificuldades na escola são complexas e provavelmente não são inerentes a eles, tais como: currículo, métodos de ensino e aprendizado, organização escolar e sistemas de avaliação inflexíveis. Em suma, pedagogia incorreta. Neste sentido afirmamos que o número de meninas e meninos com ‘dificuldades’ para aprender está relacionado com a qualidade educativa que a escola oferece. Relacionado também com o conceito de inteligência e de diagnóstico. Tradicionalmente se considera diagnóstico como ‘medida’ etiquetando diferentes pessoas como doentes – atrasados- abaixo do normal-deficientes, configurando uma subcategoria humana, a menos valia (paradigma deficitário). Este conceito de diagnóstico não oferece nenhuma possibilidade de mudança nas pessoas, é um diagnóstico, fragmentado, estático, determinista, classificador.

Eu diria que não é um diagnóstico, é um castigo:
“Assim você é, e deves resignar-te, porque assim continuarás sendo o resto de teus dias”.

No entanto, eu penso que o diagnóstico não é algo perverso. Ao contrário, o diagnóstico é como um portal do conhecimento, aberto a pesquisa e descobrimento: à procura. O diagnóstico nos diz como se encontra esta ou aquela pessoa neste momento, mas que de modo algum saberemos como estará amanhã e menos se seu desenvolvimento depende da educação. O desenvolvimento não consiste somente em apontar o que a pessoa é agora, mas também o que pode vir a ser com a ajuda educativa dos demais e com a cultura. O desenvolvimento depende do que vai vir. E algo que está por ser feito.

Quero dizer que o desenvolvimento depende da oferta educativa, e se esta é de qualidade, o desenvolvimento será de qualidade. Daí o caráter educativo e ético do diagnóstico. O diagnóstico tem sua ética (descrição do fenômeno) e sua moral (prescrever como sair desta situação). Se conseguirmos superar os conceitos clássicos começará o processo de quebra do paradigma deficitário a favor do paradigma das competências.

Isto não é um passo banal e ingênuo, mas muito significativo, porque faz a passagem do modelo compensatório para o educativo.
Por isto, do ponto de vista pedagógico, não podemos considerar somente uma mudança estrutural, mas também uma mudança de paradigmas, no sentido usado por Kuhn (1977). Já que é necessário mudar o Paradigma Deficitário, da influência medica e psicológica que considera as pessoas diferentes como doentes- atrasados- subnormais-deficientes, configurando tudo isto numa categoria humana menos valorizada (menos valia), aonde os únicos culpados são as pessoas com handicap por suas dificuldades para aprender, pelo Paradigma das Capacidades Educativas que reconhece as mesmas como capacitadas para aprender.
Quando isto se entende se compreende, e se pratica, a vida na sala de aula se torna bem mais fácil. Assim, quando as meninas e meninos entendem que todos seus colegas podem aprender e que uns aprendem de uma forma e outros de outra, mas todos, ajudando-se, vão conseguir e quando a aula se transforma numa comunidade de convivência e aprendizagem. Então o resto da cultura escolar se transforma num caminho fácil para a convivência democrática.

E por isto que as aulas se transformam em comunidades de convivência e aprendizado.


Se formos capazes de superar esta barreira as restantes serão mais fáceis, mas se não conseguirmos, em tudo o que fizermos, prevalecerá o conceito e a consideração que pessoas diferentes são ’deficientes’ e basearemos nossos relacionamentos neste conceito.

Lamentavelmente esta atitude ‘imprime caráter’.

Segunda:

A competição nas aulas diante ao trabalho cooperativo e solidário.
Quando a aula não é considerada como uma comunidade de convivência e de aprendizado.

De acordo com o anterior, podemos afirmar que as pessoas diferentes não necessitam uma educação reparadora em nada, porque não é um ser não perfeito por natureza, mas que precisam de uma educação de qualidade. E esta educação de qualidade deve ser levada junto com as demais crianças, porque o que está em jogo não é a aprendizagem das pessoas diferentes, mas algo muito mais importante: o próprio aprendizado como fenômeno biológico e social, e este sabemos que é uma atividade compartilhada com outros, o aprendizado compartilhado produz uma inteligência compartilhada. O ensino que eu considero como uma atividade solidária que ‘faz outros aprenderem, e nós aprendemos junto também ’ e este é o compromisso da escola pública: o aprender uns com os outros a construir modelos de convivência e aprendizado. Se não abrirmos este espaço de convivência dificilmente aparecerá o aprendizado e a participação.

Entendo a aula como uma comunidade de convivência e aprendizado quando se produz o intercâmbio de significados e comportamento, de lembranças e experiências, de sentimentos e emoções, configurando-se num espaço cultural e sendo também uma organização com objetivos comuns com o desejo de se entender e se respeitar. E isto só é possível se meninos e meninas têm a oportunidade de trocar suas experiências (dialogo) pessoais, de trocar pontos de vista diferentes, realizando atividades solidárias em cooperação mutua.

Estabelecendo-se assim normas de convivência democrática entre todos (buscando o entendimento) e aonde, previamente, tem que ter se produzido uma situação de interesse e significado para fazer aquilo que desejam fazer (motivação intrínseca). Quando os professores tomam consciência da importância das interações e conseguem que esta consciência seja de acesso a outros como ajuda para conseguir conhecimento e estratégias para resolver situações problemáticas da vida cotidiana, podemos dizer com certeza que nesta classe está se desenvolvendo muito mais uma convivência democrática, do que simplesmente cultura especifica. Assim a educação das crianças está acontecendo pela cultura dos professores e de seus próprios colegas. Somente nas escolas democráticas se frisa em construir comunidades de convivência e aprendizado, onde a cooperação é muito mais que mera colaboração.
Terceira:
Do currículo baseado nas matérias e livros ao currículo baseado nas situações problemáticas. Quebra das adaptações curriculares.

O objetivo do currículo escolar tem que ser desenvolvido a partir das diferenças dos alunos e seus relacionamentos. Devemos nos esforçar par quebrar com a cultura hegemônica da escola tradicional que desenvolve um currículo igual para todos.
O currículo é, e deve ser uma ferramenta para inclusão.

Não deve transformar-se num instrumento de exclusão, fornecendo para alguns, cultura e para outros sub cultura.  Porque se a cultura produz desenvolvimento, a subcultura produz subdesenvolvimento. As adaptações curriculares, na sua maioria são sub cultura, portanto produzem subdesenvolvimento. Um currículo inclusivo deve ser diversificado e transformador, construído com base nas relações sociais e atitudes.

No ‘Projeto Roma’ falamos de projetos de pesquisa quando se trata de currículo. Aonde partimos de situações e problemáticas e não de matérias e livros. As crianças aprendem mecanismos para descobrir cultura através de questionamentos e cooperação. A ideia do projeto não é a tradicional, aonde se aprendem assuntos sequenciais, e se esperam objetivos ordenados. O que pretendemos com os projetos de pesquisa é conseguir um método que favoreça o aprendizado autônomo, tomando decisões e desenvolvendo estratégias para aprender (meta cognição). Estas são: planejamento de problemas ou situações, problemas e explicação dos mesmos, discussão e debate, procura de informação fora da aula, trabalho cooperativo e solidário nos grupos heterogêneos, elaboração de mapas conceituais, construção de esquemas mentais, etc. Aonde o erro é importante como meio de aprendizado.

Os projetos são para aprender a aprender em conjunto e cooperação. Ensinar a pensar e fazer. O debate e o diálogo que acompanha o processo incita os professores e alunos a ter um consenso antes de tomar qualquer decisão (HABERMAS, 1999).

Para nós o Projeto Roma, é uma atitude de pesquisa e investigação permanente na sala de aula. A aula não pode ser unicamente um lugar para adquirir conhecimento, mas, aprender a descobri-los de maneira compartilhada, e no compartilhar é que se adquirem valores.

Atualmente, a escola tem um desafio, socializar seus alunos apesar dos valores sociais perversos como individualismo, falta de solidariedade, consumismo, competitividade e narcisismo da sociedade neoliberal que nos encontramos. A solução para contrabalançar estes valores está em vivenciar democracia, respeito, solidariedade, convivência, ética, justiça, dignidade e amor na sala de aula.
Os valores são ensinados ou vividos?

A resposta é que os valores não se ensinam, eles têm de ser vividos para se obter o valor moral dos mesmos.

A escola sem exclusões, não só tem a ver com didática, nem inovações educativas, mas com o mundo dos valores, portanto são necessários a convivência e aprender a conviver. O saber conviver não se aprende com objetivos e normas, conviver se aprende convivendo. Assim sendo deixa de ser um objetivo para transformar-se num princípio, que contém o reconhecimento da legitimidade do outro como verdadeiro outro dentro da convivência.


Quarta:
Da organização espaço temporal clássica a uma organização de acordo à atividade a realizar. Uma nova organização para uma nova escola.

O trabalho em projetos de pesquisa requer transformação nos grupos, tempo e espaço na sala de aula. A nova estrutura de organização na sala de aula será determinada pelo ensino interativo e o trabalho dos grupos heterogêneos de forma cooperativa. Ajuda mutua é o principal foco. Mesmo que os alunos não ofereçam dificuldades (se é que isto existe), o professor será o principal apoio na sala de aula. Para alcançar este objetivo, o Projeto Roma, transforma o contexto da aula numa situação de simulação do cérebro “o contexto é o cérebro” (LURIA, 1974), estabelecendo quatro regiões que identificam quatro áreas de desenvolvimento humano.

Estas regiões são:

Região de Pensar (para desenvolvimento dos processos cognitivos e meta cognitivos)
Região de Comunicação (linguagem e sistemas de comunicação)
Região do Amor (afetividade e valores)
Região do Movimento (autonomia física, pessoal, social e moral).
(LÓPEZ MELERO, 2004).

Com este procedimento de trabalho desejamos que as crianças tomem consciência de seu próprio processo de pensar, através da reflexão e autocorreção. Adquirindo assim o processo lógico do pensamento. Também queremos que construam critérios e pontos de vista pessoais para modificar seus pensamentos e ações, fortalecendo suas capacidades para obter juízo correto, bons relacionamentos e respeito mútuo. Numa comunidade de pesquisa e aprendizado desse tipo, o processo de pensar e os que participam dele se transformam e crescem, não somente na parte cognitiva e cultural, mas a parte afetiva e comportamental. A construção destes ambientes escolares permitirá introduzir temas como pluralismo, liberdade, justiça, respeito mútuo, tolerância, solidariedade, democracia, etc. Aprender cooperando possibilita o diálogo para uma cidadania mais solidária e democrática.

Quinta:
A re-profissionalização dos professores para a compreensão das diferenças. Do professor técnico racional ao professor de pesquisa.

É necessário um novo profissional para que tenha sentido o modo de ver a cultura das diferenças. Aonde o professor deixa de ser um Professional aplicador de técnicas e procedimentos (racional e técnico), para ser um investigador intelectual comprometido (pesquisador). Que saiba abrir espaços para que a aula se transforme num lugar de aprendizado compartilhado e autônomo, desenvolvendo sua autonomia e liberdade como docente comprometido com as mudanças e transformação social, deixando de ser instrumento do sistema.

Tudo isto exige profissionais capacitados, que saibam usar os conhecimentos e processos com atitude para conseguir intervenção autônoma e eficiente na sala de aula, assim como compartilhar com os colegas a reflexão de sua experiência prática.

A dialética ação-reflexão condiciona o pensamento e a ação, de uma forma que se iluminam, valoram, e se enriquecem mutuamente.
Deste modo, o desenvolvimento Professional pode estimular o professor a se conhecer e se valorizar adquirindo mais segurança na sua prática através da própria reflexão.

Nem ação excessiva e mecanizada, nem a mais formosa teoria de conscientização levam à verdadeira ação transformadora e consciente (práxis).
Como nos lembra Freire (1990, p. 211) «A consciência, não se transforma através de cursos e discursos, sermões eloquentes, mas pela ação dos seres humanos sobre o mundo [...] Pressupõe junção entre teoria e prática na quais ambas se constroem num movimento permanente da prática à teoria e desta a uma nova prática».

Sexta:
A escola pública e o aprender participando entre famílias e professores. Das escolas antidemocráticas às democráticas

A educação de valores, necessária na escola pública, para formar cidadania responsável, não é somente trabalho do professor, deve ser compartilhado com as famílias e demais agentes educativos.

Somente conseguiremos quebrar o modelo educacional antidemocrata vivendo a democracia na escola.

Os dois valores que definem uma situação democrática são liberdade que gera a virtude da tolerância e respeito, e a igualdade que produz a solidariedade e generosidade entre todos.

Falar de convivência democrática na sala de aula é falar de conviver democraticamente desde a participação e o respeito nos diferentes papéis que desempenham as famílias, professores e alunos.

Quando falo de escola pública como uma escola sem exclusões, não falo de educar ‘para’ a democracia, nem ‘para’ a liberdade nem ‘para’ a justiça, mas de educar ‘na’ democracia, ‘na’ liberdade e ‘na’ justiça. Não são objetivos a serem alcançados, mas princípios de ação. Tentar que durante o processo as crianças atuem como pessoas livres e responsáveis, educando democracia, justiça e liberdade.
Um dos objetivos da escola pública terá de ser formar cidadania para que as crianças aprendam a participar na vida pública da sociedade da qual fazem parte.
A democracia somente se dá na diversificação, e precisa de atitudes e comportamentos democráticos. Requer que se respeitem as diferenças, sem marcar as desigualdades.

Se os valores igualdade e respeito não são entendidos, aparece a tirania da igualdade, que nada mais é do que um tratamento idêntico a cada pessoa sem contemplar suas particularidades qualitativas.

Por isto se faz necessária uma legislação contra a discriminação.

Embora tenhamos uma legislação sobre “a cultura da integração”, esta não tem sido interpretada corretamente o simplesmente não se cumpre.

A cultura das diferenças é a cultura da ética. A ética surge quando estou preocupado com as consequências do que faço em relação aos outros, e a moral é cumprir com as normas.

Mas nem sempre as normas são humanamente corretas, por isso a desobediência, em alguns casos, é um ato de responsabilidade. Porque temos que aprender a dizer NÃO antes de cometer uma imoralidade.

A educação para a convivência democrática e participativa nos abre o caminho da esperança para a construção de um projeto de sociedade e humanização nova. Aonde o pluralismo, cooperação, tolerância e liberdade, serão os valores que definem as relações entre famílias e professores, professores e alunos e professores e comunidades educativas aonde o reconhecimento das diferenças humanas está garantido como elemento de valor e não como lacre social.

Expostas minhas considerações sobre as barreiras didáticas que impedem a construção de uma escola para todos, ainda assim, como salvar aquelas barreiras, volto a questionar: É possível construir uma escola sem exclusões? Minha resposta é um sim sonoro, mas somente conseguiremos se respeitarmos as crianças e suas diferenças como direito humano e como valores.

As crianças que frequentam a escola não são meninas e meninos imperfeitos, somente são crianças. Não são imaturos e incompletos, porque não falta nada do corriqueiro de ser menina ou menino; são simplesmente crianças. Nisto de ser criança, se pode ser negro, pobre, esloveno ou colombiano, ter síndrome de Down, ter uma doença contagiosa, ser paralítico cerebral ou ser simplesmente menina ou menino, e nada disto configura um defeito nem um lacre social, mas um valor.
A natureza é variada, e não tem coisa mais genuína no ser humano que a variedade. A qualidade mais humana da natureza é a diversidade. Da mesma forma que não existem duas papoulas iguais não existem duas pessoas iguais. Não existiria história da humanidade se não existissem meninas e meninos, nem se não existissem as diferenças.

A história da Diversidade é a história das crianças.

Não pretendo modificar o ser humano, mas que se produza uma transformação cultural. E esta transformação somente é possível através da educação e cultura.
Pessoalmente penso que hoje em dia mais do que nunca temos de ter convicção de que a educação é a única energia possível para tirar o mundo da doença em que vivemos. Somente assim poderemos “construir o sonho” de uma sociedade mais justa, democrática, tolerante e respeitosa.

Concluindo, para poder construir essa escola sem exclusão são necessárias culturas inclusivas, políticas inclusivas e práticas pedagógicas inclusivas.
Com as práticas pedagógicas simples, não se pode obter uma escola sem exclusões, precisamos pedagogia complexa aonde as pessoas e culturas diferentes possam “aprender a aprender”.

Nós, com o Projeto Roma, estamos fazendo, através do que chamamos projetos de pesquisa, que são uma forma de aprender com cooperação na sala de aula. (LÓPEZ MELERO, 2004).

Também, existem outras práticas pedagógicas excelentes tais como: O Programa de desenvolvimento Escolar do professor James Comer da Universidade de Yale (COMER, 1998), ou o programa das Escolas Aceleradas, que surgiram nos EUA, em 1986, pelo professor Henry Levin da Universidade de Stanford (1994).

Não podemos esquecer o conjunto de projetos nomeados Educação para Todos, lançado pelo professor Robert Slavin e colaboradores (1996, 2001), do Centro de investigação para a educação do aluno em risco na Universidade Johns Hopkins de EUA, e os trabalhos da Stainback e Stainback (2001).
Todos estes são exemplos de que a escola sem exclusão é possível, e tão somente uma questão deter atitude para iniciar os processos de mudança e transformação. Existem exemplos, agora temos de estar dispostos a pôr em pratica.
Por tudo isto e sendo atrevido vou sugerir no final algumas ideias a partir da consideração da cultura das diferenças como alternativa e revolução cultural para o século XXI.

FINALMENTE MEU COMPROMISSO PERSSOAL E PROFESSIONAL

Estas palavras podem nos levar a pensar que a utopia existe.

Efetivamente a utopia existe e para mim é uma democracia sem fronteiras. Sou utópico porque a educação é utópica, e a utopia, a considero como um desejo por um mundo melhor.

É nesse sentido que quero ser utópico.

Será possível uma educação de valores separada da utopia?
Educação, ética e política são os três vértices da figura da sociedade democrática participativa, que é necessário construir na perspectiva de um novo humanismo aonde os valores fundamentais sejam a liberdade e a igualdade.

A utopia não pode morrer. Se fosse assim teríamos que admitir como Roa Bastos (1996, p.37) “que se a utopia morre a raça humana está condenada para sempre”.
O conceito de utopia vai junto da idéia da construção de um mundo melhor, de uma sociedade melhor e das mudanças e transformações necessárias para conseguir o objetivo. Sempre expressa um ideal de transformação para algo nove e melhor. Se os mananciais utópicos se secam, a vida dos seres humanos se transforma num deserto aonde somente floresceria o conformismo, apatia, trivialidade e oportunismo: a desumanização humana.

Atualmente, mais do que nunca, temos de lembrar as palavras de Oscar Wilde (2004, p.5) “O mapa que não contenha o país da utopia não merece uma olhada”.
Esta visão do conceito de utopia unida a termos de respeito, justiça e dignidade humana, quebra com o conceito pejorativo da utopia como algo irrealizável, e se acrescenta no viver e conviver humano, como algo que “não é, mas poderia ser”, é o pragmático do utópico, diz Eisler (1994).

Assim é como o poeta torna visível, com seu olhar poético, o que ficou oculto pela história, já que revela aspectos e dimensões do humano. Que tendo sido fundamentos do viver humano, ficaram sumidos ou escondidos atrás de outros na transformação cultural da humanidade, mas não desapareceram e com suas emoções e sentimentos nos fazem sentir qual é o mundo que queremos viver.
Além disso, nos devolve a ilusão e a responsabilidade de eleger o mundo no qual queremos viver, um mundo de respeito, cooperação, justiça, tolerância, conforme a emoção fundamental do amor.

No entanto, a globalização econômica está unida à ciência-ficção ao mostrar um mundo de alienação cultural, abusos, hierarquias, agressão, discriminação e obediência.

Atravessamos um mau momento na sociedade atual com um único pensamento à globalização, conceitos polissêmicos e complexos que referenciam a maneira diferente de entender e desenvolver as relações sociais, econômicas, políticas e culturais.

Mas também estamos vivendo na injustiça mais globalizada como aponta José Saramago (2002), aonde há competição, individualismo, intolerância, injustiça, etc.
Os contra valores imperam e caem como uma lajota na cabeça daqueles que lutam contra a injustiça globalizada.

Como diz Henry Giroux (2001, p. 129): “a utopia dos projetos democráticos em desenvolvimento mora tanto em criticar a ordem existente das coisas como em utilizar o âmbito cultural e educativo para intervir de maneira direta no mundo e lutar pelas mudanças da atual configuração do poder da sociedade”.

Este modelo educativo novo transformaria o cidadão numa pessoa crítica da resistência (SARAMAGO, 2002). Essa ideia gira em torno da ideia central de achar que somos capazes de gerar novas questões canalizando a energia necessária para dispor de uma nova visão moral. E que esta visão se contraponha às instituições e forças que estão agindo em nossas vidas e sociedade na qual vivemos como num verdadeiro inferno.

Somos livres se temos as ideias claras para gerar uma opção. Eu formulei uma opção política educativa. Opção política e educativa é assumir uma postura defronte à realidade social, é não ser indiferente defronte à justiça atropelada; é não permanecer indiferente ante a liberdade e direitos humanos violados, é lutar contra a injustiça da classe trabalhadora, ou o trabalho escravo, é denunciar permanentemente a falta de respeito com a mulher, intolerância política, religiosa, étnica ou da não capacidade.

Enfim, tomar partido pela justiça, liberdade, democracia, ética e o bem estar comum é opção política e é fazer política. Opção política e educativa é lutar pela cultura das diferenças de fronte à cultura da não capacidade e esta é minha ideologia e minha vida, como um sistema de crenças e valores que traçam o caminho para a ação.

Finalmente, a cultura da diversidade é meu compromisso ideológico e educativo. Meu compromisso político e educativo nasce justamente desta aspiração e deste desejo de colaboração na construção de um novo modelo educativo que quebre com o princípio neoliberal por excelência do ‘Homo Sapiens’ e nos transporte ao ‘Homo Amans’, como verdadeiro objetivo de uma escola democrática que se compromete defender os direitos humanos e a legitimidade de cada um na sua diferença. E como Gandhi advertiu, é mentira pretender ser não violento e permanecer passivo defronte às injustiças sociais.

A responsabilidade política e educativa não reside em afirmar que “eu já cumpro meus deveres”, mas em fazer que os cumpram os que não o fazem. Nesta luta do ethos democrático devemos permanecer ou talvez tenhamos que dar um passo a mais, como nos lembra Touraine (1997, p.7): “Já não queremos uma democracia de participação; não podemos nos contentar com uma democracia de deliberação; necessitamos uma democracia de deliberação”.

Que é o mesmo que dizer lembrando-se do Freire (1990), que é necessária uma educação como prática da liberdade.

Além do valor simbólico da denúncia e repulsa a escola separatista e homogeneizadora que se possa encontrar neste escrito, anuncio meu compromisso Professional e pessoal na construção de uma escola sem exclusões unida pelos valores humanos de cooperação e solidariedade que breque o desenvolvimento feroz do individualismo e a competição que se gera na escola neoliberal.
Talvez o verdadeiro descobrimento no ser humano não consista em procurar novas paisagens, mas em possuir novos olhos (PROUST, 1997).
Isto é o que tenho feito durante toda minha vida, olhar de outra maneira às pessoas consideradas socialmente como “deficientes” e conviver com as culturas minoritárias.

De que maneira?

De aquela que me fez crescer como pessoa.

Quero terminar este texto lembrando umas palavras de Eduardo Galeano, que contava que estava com um amigo, Fernando Birri, uma pessoa encantadora, cineasta, latino americano, desses que Paulo Freire gostaria, ou seja, loucamente são e sadiamente louco, que está mais louco que são, mas... Bom, ninguém é perfeito.

Dizia que estavam juntos Eduardo e Fernando com alguns estudantes em Cartagena das Índias, em Colômbia, quando um deles perguntou ao Fernando para que serve a utopia. Birri respondeu: “para que serve a utopia? É uma pergunta que eu mesmo me faço todo dia, me pergunto para que serve a utopia. Porque a utopia está no horizonte e então se eu ando dez passos a utopia se afasta dez passos também, e se eu ando vinte a utopia anda vinte; mesmo que eu caminhe muito, nunca vou alcançá-la. Então Para que serve a utopia? Para isto, para caminhar”.

Assim, queridos colegas e amigos, não deixemos de caminhar.

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Recebido em 10/09/2007
Aprovado em 29/10/2007


Publicado em espanhol na Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, Jan.-Abr. 2008, v.14, n.1, p.3-20

Traduzido por Veronica Marta Mato Amorim