quarta-feira, 25 de abril de 2012

ALTAS HABILIDADES E SUPERDOTAÇÃO: UM ESTUDO DE CASO (Seilla Carvalho)

“O superdotado/talentoso/portador de altas habilidades é aquele indivíduo que, quando comparado à população geral, apresenta uma habilidade significativamente superior em alguma área do conhecimento, podendo se destacar em uma ou várias áreas.” (ConBraSD – Conselho Brasileiro de Superdotação)
RELATO DO ESTUDO DE CASO
A aluna G. M. com 9 anos, cursando o 6º ano evidencia grande capacidade de concentrar-se na realização de atividades de seu interesse; prefere empenhar-se em atividades coletivas como discussão de um tema, projetos e produção de relatórios.
Tem preferência por estudar sozinha em algumas ocasiões: leitura de um livro, estudo de um tema escolhido/ elaboração de projeto. Contudo, solicita a orientação do professor sempre que necessita, articulando com facilidade e rapidez as ‘dicas’ dadas. Apresenta resistência a regras impostas, especialmente quando percebe que as mesmas prejudicam o grupo e contrariam o seu senso de justiça. É perfeccionista, demonstra insatisfação nas atividades rotineiras da escola e frustração diante de seus próprios erros. Apresenta impulsividade e maior sensibilidade para as vivências afetivas.
Gosta de participar oralmente opinando espontaneamente ou quando interrogada diretamente. Concentra-se em exposições orais feitas pelo professor, colegas ou palestrantes, bem como em atividades individualizadas. Envolve-se em dramatizações, simulações e jogos didáticos demonstrando satisfação e facilidade de assimilação dos conteúdos abordados.
Apresenta excelente raciocínio verbal e/ou numérico, habilidade de generalizar, transferir aprendizagens, perceber relações, abstrair e lembrar-se de informações, bem como um vocabulário rico e avançado. É criativa e demonstra disposição para experimentar propostas desafiadoras.
A estudante destaca-se pela inteligência e rapidez de raciocínio; é bem determinada em sua área de interesse, empenhando-se e envolvendo os colegas quando em equipe. Comunica-se bem oralmente e por escrito. É curiosa, autoconfiante e demonstra satisfação em buscar informações e ao alcançar os objetivos pré-fixados.
Apresenta um distanciamento de seus pares relacionando-se melhor com pessoas mais velhas. Se expressa muito bem, organiza as tarefas e é respeitada pelos seus pares.
ANÁLISE DO ESTUDO DE CASO
Dentre alguns aspectos relacionados ao caso em análise é possível pontuar:
- A aluna aos nove anos de idade cursa o 6º ano estando de certo modo adiante em termos de seriação ano/idade, em relação boa parte dos alunos matriculados no ensino regular, e com aproveitamento diferenciado no que tange ao aspecto acadêmico;
- A aluna se sente motivada ao estudar sozinha, sobretudo, diante do objetivo de elaborar idéias específicas ou organizar planejamento de algum projeto;
- Indica fazer associações próprias, apresentando elaborações de pensamento independente, diante do que lhe é sinalizado no processo em estudo;
- Apresenta raciocínio verbal com manipulação simbólica acima do usual, fazendo associações inusitadas tendo excelência no campo linguístico;
- Insatisfação diante das atividades rotineiras, tendo como contraponto certo perfeccionismo que a leva à frustração diante dos equívocos cognitivos;
- Interesse pelo sentimento das pessoas e indignação frente às injustiças;
- Distanciamento das crianças da sua idade, buscando o contato com pessoas mais velhas, intelectualmente e emocionalmente receptivas.
Características comportamentais, tipo de superdotação, área de interesse, potencialidades, dificuldades e estilo de aprendizagem:
Além de postura madura no que se refere à natureza moral e relações interpessoais, a aluna apresenta características que abrange elementos, tais como: receptividade ao outro, ótima comunicabilidade; iniciativa na busca por resolução de problemas, excelente sistematização do conhecimento, criatividade e expressividade interessantes, alto nível de atenção à tarefa; apresenta preservação da individualidade sem prejudicar seu excelente nível de cooperação; automotivada e com alto nível de liderança.
As dificuldades se concentram na resistência em atender às regras impostas; diante do perfeccionismo, frustração quanto aos próprios erros, alguma impulsividade e emotividade, bem como distanciamento dos seus pares.
O seu comportamento sinaliza para uma combinação de traços que envolvem altas habilidades/desempenhos nos seguintes campos (De acordo como os Tipos Característicos de Superdotação – MEC/1994): Intelectual com flexibilidade e fluência de pensamento associativo, lingüístico, ideativo, simbólico, conceitual e criativo; revela pontos importantes na área acadêmica, pois demonstra envolvimento ao se aprofundar em conhecimentos a fim de atingir objetivos pré-fixados.
Diante de um raciocínio inovador, apresenta potencialidades para um talento especial nas artes literárias, dramáticas, plásticas, sendo observado um tipo de alta habilidade que envolve as inteligências criativas e sociais.
Seu estilo de aprendizagem indica para certo autodidatismo, contudo, com pontuações importantes e necessárias por parte do (a) mediador (a). Visto que a aluna se sente motivada diante das assertivas, daquilo que lhe é verbalizado, das discussões, etc. Sendo importante para atingir metas anteriormente definidas.
Em termos de estilo cognitivo da aprendizagem, a aluna manifesta (ao aproximar-se do objeto do conhecimento) a utilização dos campos visual e cinestésico, porém, com importante sinalização para o campo auditivo e secundariamente indica a utilização do campo visual como um dos canais de apreensão do conhecimento. Manifesta um avançado resultado acadêmico diante de um planejamento de aulas bem definido, estimulante e motivador.
Atividades pedagógicas e/ou serviços a serem disponibilizados aos alunos com AH/SD:
Em linhas gerais um (a) aluno (a) com altas habilidades/superdotação, poderá expressar sentimentos e expectativas elevadas com relação ao espaço sistematizado de aprendizagem (escola) bem como a metodologia e didática envolvidas no trabalho.
No caso em estudo é necessário por parte do (a) mediador (a) um olhar bastante diferenciado, visto que é imprescindível um trabalho que estimule a criatividade e motive a aluna no seu desejo de estar no espaço acadêmico. Contemplar a abordagem pedagógica por projetos com temáticas diversas, vislumbrando as áreas de interesse da aluna.
Além das produções com portadores de texto diversificados, que viabilize a multidisciplinaridade/interdisciplinaridade/transdisciplinaridade e promova questões desafiadoras nas áreas científicas, quanto à resolução de problemas, análises de raciocínio lógico-matemático, dentro de um contexto pertinente, pontuados no cotidiano, expressos no pensamento e hábitos comuns; pesquisas e debates dentro de eixos temáticos pautados por exemplo, nas Ciências da Vida (biológica, psicológica, filosófica, social) e/ou nas relações pertinentes ao Universo geralmente trazem grande prazer e promovem aprofundamentos significativos no campo da cognição; expressão artística, promoção de estudos de campo com proposta de observação diferenciada e relatos de casos, atividades que explorem o raciocínio criativo, pensamento intuitivo e a inovação do pensar. A construção de portfólio se faz necessária visto que a aluna poderá sentir-se autora do seu conhecimento e com condições de auto-avaliar, juntamente com o(s) / a(s) mediadores (as), os avanços e redirecionar-se melhor na aquisição e implementação de novos conceitos.
São exemplificações do que pode ser planejado, estruturado de forma a atender as particularidades da aluna. Que indica fortemente necessidade de mediação no campo da inteligência criativa, bem como estímulo na flexibilidade do pensamento e quanto aos julgamentos diante das regras e normas de conduta (autocrítica exacerbada).
É importante o encaminhamento para uma equipe interdisciplinar com intervenções pedagógicas dentro de estratégias que promovam respostas criativas ressaltando as possíveis habilidades, potencialidades da aluna, orientando os professores quanto às especificidades demonstradas, possibilitando assim, a maximização do seu desenvolvimento integral.
Diante das sugestões quanto às medidas de intervenção, o Atendimento Educacional Especializado (AEE) sinaliza:
Importante que aluna seja desafiada e que lhe sejam apresentadas atividades que estimulem a persistência nas tarefas, além de promover momentos de estudo focados na troca de idéias como produto final.
Um plano de trabalho individual é interessante já que é norteado no pressuposto de que cada necessidade traz a sua singularidade e também a complexidade vivida por cada sujeito diante da manifestação das suas potencialidades.
Promoção de um ambiente que favoreça o aprendizado significativo _ laboratórios, museus, bibliotecas, exposições artísticas e científicas, etc._ com uma atuação docente que evite sentimentos de supervalorização ou rejeição de idéias, além de atividades de apoio paralelo, com Professor de Recursos, para que a aluna mantenha a motivação, ajude-a no avanço das suas potencialidades e no alcance dos seus objetivos. Neste contexto, oportunizar atividades específicas de aprofundamento, criação e enriquecimento das suas habilidades, num salto qualitativo, através de estudos de campo, intervenções e análise de vários assuntos.
Oportunizar um plano de trabalho em Sala de Recursos é uma experiência engrandecedora e de enorme ressignificação (inclusive para os profissionais envolvidos) visto que normalmente, diante da disponibilidade e conhecimento do professor, alunos perfil em altas habilidades/superdotação sentem-se valorizados, sobretudo, motivados em atingir a maestria nos seus desempenhos.
Recomendações:
A aluna em questão apresenta alta habilidade com traço criativo, pois, é visível no comportamento, expresso em diferentes linguagens (falada, gestual, matemática, interpessoal, teatral). Alternativas pedagógicas que a auxiliem no seu crescimento integral envolve um trabalho em sala de aula, tomando como base um plano diferenciado que favoreça as habilidades e promova o crescimento das suas potencialidades. Além de a possibilidade de intervenção/mediação/orientação com Professor de Recursos.
Parecer técnico-pedagógico embasado na Teoria dos Três Anéis de Renzulli:
Tomando como base a política de inclusão defendida pelo Ministério da Educação (2005), flexibilizações curriculares e instrucionais devem ser consideradas a partir de cada situação particular e não através de generalizações. Assim, considerando a proposta educacional de princípios voltados para o respeito à diversidade, à equidade e à dignidade no que tange a uma educação de qualidade. Urge que se promova um ambiente educacional que esteja preparado para reconhecer, intervir e estimular o potencial promissor dos alunos com altas habilidades/superdotação.
É importante salientar do avanço obtido nesse âmbito quando a iniciativa pública, desenvolvida a partir de 2005 no âmbito da SEESP/MEC, em parceria com a UNESCO e o FNDE, oferecem a implantação dos Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAAHs) nos 26 estados e no Distrito Federal, que hoje se constituem em referência para o atendimento dessa população.
Mais recentemente, já em 2008, ressalta a elaboração, por grupo de trabalho de especialistas convidados pelas autoridades oficiais, e a divulgação, pelo MEC, do Documento Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), em que os alunos com altas habilidades/superdotação são definidos como alvo de atendimento educacional especializado em todas as etapas e modalidades da Educação. Dentre outras importantes medidas e decretos anteriores a Resolução 04 de outubro de 2009 traz a implementação do Dec. nº 6.571/2008, que institui Diretrizes Operacionais para o atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade da Educação Especial.
Inúmeras e específicas são as abordagens epistemológicas sobre o tema Superdotação, sobretudo, quando se toma como referência os outros países.
O modelo de enriquecimento proposto pelo educador norte-americano Joseph Renzulli (EUA), renomado pesquisador do Centro Nacional de Pesquisas sobre Superdotação e Talento da Universidade de Connecticut no EUA, adotado no Brasil, pela Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, foi idealizado com o objetivo de tornar a escola um lugar onde os talentos fossem identificados e desenvolvidos. Fornece um programa de enriquecimento curricular que pode ser adotado não somente com alunos que apresentam altas habilidades/superdotação, mas também nas salas de aulas regulares. A concepção dos três anéis, proposta por Renzulli (1978, 1986, 1994), concebe superdotação como resultado da interação de três fatores:
• Habilidade acima da média
• Envolvimento com a tarefa
• Criatividade
Habilidade acima da média envolve tanto as habilidades gerais, que consistem na capacidade de processar informações, de integrar experiências que resultam em respostas adaptativas e apropriadas a novas situações e na capacidade de se engajar em pensamento abstrato (por exemplo, pensamento espacial, memória e fluência de palavras), quanto as habilidades específicas, que consistem na capacidade de adquirir conhecimento e habilidade para atuar em uma ou mais atividades de uma área especializada (tais como química, matemática, fotografia, escultura etc).
O segundo anel, envolvimento com a tarefa, se refere aos altos níveis de interesse, entusiasmo e fascínio na execução de uma atividade ou resolução de um problema. Neste sentido, o indivíduo envolvido com a tarefa estabelece um padrão de excelência de desempenho, desenvolve um senso estético acerca de seu trabalho e dos outros e pode ser descrito como perseverante, dedicado, autoconfiante, esforçado, trabalhador árduo e consciente de estar desenvolvendo um trabalho importante.
O terceiro anel, criatividade, diz respeito à fluência, flexibilidade e originalidade de pensamento, abertura a novas experiências, curiosidade, sensibilidade a detalhes e ausência de medo em correr riscos.
É necessário salientar que os anéis não precisam estar presentes ao mesmo tempo, ou se manifestar na mesma intensidade, ao longo da vida produtiva. O mais importante é que eles estejam interagindo em algum grau, para que um alto nível de produtividade criativa possa emergir (RENZULLI, 1986). Renzulli e Reis (1997) reconhecem que algumas habilidades e características associadas a superdotação podem se manifestar apenas quando o aluno estiver engajado em alguma atividade ou área de interesse.
Neste sentido, Renzulli (1978, 1986) defende a idéia de que deve haver uma mudança no enfoque das definições de superdotação de “ser ou não ser superdotado” para “desenvolver comportamentos superdotados”. Assim, a visão de superdotação como um fenômeno inato e cristalizado seria substituído por uma visão mais dinâmica e flexível, levando-se em consideração a importância da interação entre indivíduo e ambiente no desenvolvimento de comportamentos superdotados.
O caso da aluna em análise apresenta características comportamentais de uma criança com altas habilidades, como foi sinalizado anteriormente. Um exame específico, com enquadramento na Teoria dos Três Anéis, logo poderá apontar para um diagnóstico positivo, visto que os aspectos como: habilidade acima da média, envolvimento com a tarefa e criatividade são elementos que preponderam no histórico pessoal e acadêmico da aluna.
Portanto, cabem medidas que alicerce o desenvolvimento de trabalho um pedagógico/psicopedagógico com professores capacitados, bem orientados e uma equipe multidisciplinar com condições de orientar e intervir para o desenvolvimento integral dessa aluna e de outros alunos que mesmo não apresentando características, habilidades similares tenham apoio e mediação adequada ao crescimento cognitivo/afetivo e na evolução das suas potencialidades.
REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS:
ANDRÉS, Aparecida. Educação de alunos Superdotados/ Altas Habilidades. Legislação e normas Nacionais, Legislação, Internacional. Consultoria Legislativa da área XV Educação, Cultura e Desportos, Brasília, Fevereiro/2010.
ALENCAR, E. S. Como Desenvolver o Potencial Criador. Editora Vozes, 5ª edição, Petrópolis – RJ, 1998.
ALENCAR, Eunice Soriano de, FLEITH, Denise Souza. Superdotação: determinantes, educação e ajustamento. 2ª edição. São Paulo: EPU/2001.
BRASIL. Lei 9394 – LDB – Lei das Diretrizes e Bases da Educação, de 20 de dezembro de 1996.
DECRETO Nº. 6.571, de 17 de setembro de 2008, que dispõe sobre o Atendimento Educacional Especializado.
DUTRA, C. P. et al. A Construção de Práticas Educacionais para Alunos com Altas Habilidades / Superdotação – Volume 2: Atividades de Estimulação de Alunos. Ministério da Educação – Secretaria de Educação Especial, Brasília – DF, 2007.
FLEITH, Denise S. (Organizadora) A Construção de Práticas Educacionais para Alunos com Altas Habilidades/Superdotação: Vol 01: Orientação a professores. EC. Brasília, 2007
______. (Organizadora) A Construção de Práticas Educacionais para Alunos com Altas Habilidades/Superdotação: Vol 02: Atividades de Estimulação de Alunos. MEC Brasília, 2007
______. (Organizadora) A Construção de Práticas Educacionais para Alunos com Altas Habilidades/Superdotação: Vol 03: O Aluno e a Família. MEC Brasília, 2007
GUENTLER, Z. C. Desenvolver Capacidades e Talentos – um conceito de inclusão. Editora Vozes, Petrópolis – RJ, 2000.
KNELLER, G. F. Arte e Ciência da Criatividade. IBRASA, 13ª edição, São Paulo - SP, 1998.
OSTROWER, F. Criatividade e Processos de Criação. Editora Vozes, 10ª edição, Petrópolis – RJ, 1994.
RENZULLI, J. S. O que é esta coisa chamada superdotação, e como a desenvolvemos? Uma retrospectiva de vinte e cinco anos. Educação. Tradução de Susana Graciela Pérez Barrera Pérez. Porto Alegre – RS, ano XXVII, n. 1, p. 75 - 121, jan/abr. 2004.

RENZULLI. J.S. The Three-ring Conception of Giftedness: A Developmental Model for Creative Productivity. Em J.S. Rezulli & S.M.Reis (Org) The Triad Read. (pp. 2-19) Mansfield Center, CT: Creative Learning Press, 1986.

RODRIGUES, Ângela M. R. V. Altas Habilidades/Superdotação: Encorajando Potenciais. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Esplanada dos Ministérios. Bloco L, 6º Andar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário